CAPÍTULO DOIS

555 45 0
                                    



Com as batidas de uma música animada nos ouvidos e o suor escorrendo pelas costas, puxo ar para dentro dos pulmões. O impacto dos pés na esteira esvazia minha mente enquanto foco em levar meu corpo ao limite. Geralmente quando corro, fico concentrada e grata por ao menos sentir alguma coisa, ainda que essa coisa seja apenas pulmões, braços,bumbum e pernas ardendo com o esforço. Hoje não quero sentir nada,não depois dessa semana de merda.

Só quero a dor física da exaustão, não a dor da perda.
  Corra.Respira. Corra. Respire.
  Não pense em Lex. Não pense em Samantha.
   Corra. Corra. Corra.

Enquanto reduzo o ritmo, a esteira desacelera e percorro o último trecho dos oito quilômetros de corrida mais devagar, dando espaço para que os pensamentos febris retornem. Pela primeira vez em bastante tempo, tenho muito o que fazer.

Antes da morte de Lex, eu passava os dias me recuperando da noite anterior e planejando a diversão da semana seguinte. E só. Essa era minha vida,não gosto de chamar atenção para o vazio da minha existência, mas no fundo sei o quanto sou inútil. A consequência de contar com um fundo fiduciário generoso desde os vinte e um anos foi nunca ter enfrentado um dia de trabalho de verdade na vida. Ao contrário do meu irmão mais velho, Lex trabalhava muito. Mas ao mesmo tempo não tinha escolha.

Hoje, no entanto vai ser diferente. Sou a executora do testamento dele,o que é uma piada. Escolher a mim foi um último deboche, tenho certeza, mas agora que ele está enterrado no jazigo da família, o testamento precisa ser lido e .... bem, cumprido.

E Lex morreu sem deixar herdeiros. Um tremor me percorre quando a esteira para. Não quero pensar nas implicações disso. Não estou pronta.

Pego meu iPhone, passo a toalha em volta do meu pescoço e subo a escada correndo até meu apartamento no sexto andar.

Tiro a roupa, jogo tudo no quarto e sigo para o banheiro da suíte. No chuveiro, enquanto lavo meus cabelos, reflito sobre como lidar com Samantha. Nos conhecemos desde a escola, nos identificamos uma com a outra e isso nos aproximou, duas adolescentes de treze anos em um colégio interno e com pais divorciados. Eu era a novata, a lésbica imunda, e ela me acolheu nos tornando inseparáveis. Ela é e sempre será meu primeiro amor,minha primeira transa...minha desastrosa primeira transa.

E anos depois, ela escolheu meu irmão, não a mim. Mas, apesar de tudo continuamos boas amigas e nos  mantivemos fisicamente distantes... até a morte de Lex.

Merda. Isso tem que acabar. Não quero nem preciso dessa complicação. Enquanto seco o cabelo enfrente o espelho, olhos verdes sérios me fuzilam no espelho. Não estrague as coisas com Samantha. Ela é uma das poucas amigas que você tem, sua melhor amiga, fale com ela. Tenham uma conversa madura, ela sabe que vocês são incompatíveis. Aceno para o meu reflexo, um pouco mais decidida em relação a ela, termino de secar meu cabelo e faço uma make rápido, e vou me arrumar. Pego uma blusa preta de cetim,uma calça social azul marinho,e um blaze azul marinho, e um scarpin preto.

Tenho um almoço com os advogados da família. Pego um casaco para me proteger do frio lá fora.
Merda hoje é segunda-feira.

Lembro que Ania,minha diarista Polonesa anciã, deve vir no fim da manhã para limpar a casa.pego a carteira Deixo um dinheiro na mesinha do hall, programo o alarme e saio,trancando a porta.

No Chelsea Embankment,  o ar no calçadão está límpido e fresco. Para além do rio Tâmisa, sombrio e cinzento no outro lado da rua,olho fixamente para o Peace Pagoda,o monumento dedicado à paz, na margem oposta. É isso que eu quero um pouco de paz,mais isso pode demorar muito ainda. Espero ter algumas respostas na hora do almoço. Erguendo o braço, chamo um táxi e peço que ao motorista que me leve até Mayfair.

No Esplendor Georgiano da Brook Street,os advogados da L-Corp, James Olsen e Jack Spheer cuidam da minha família desde 1885.

— Hora de ser adulta. — murmuro para mim mesma ao empurrar requintada porta de madeira.

— Boa tarde senhorita. — Diz a jovem recepcionista com um sorriso radiante, a pele morena corando.
Ela é bonita, de um jeito discreto, em circunstâncias normais eu conseguiria seu telefone em cinco minutos de conversa, mas não é para isso que estou aqui.

— Tenho hora marcada com o Sr.Olsen.
— Seu nome?
— Lena Luthor
Seus olhos percorrem a tela do computador, ela balança a cabeça e franze a testa.
— Sente-se, por favor. — Diz indicando duas poltronas de couro marrons no saguão de paredes forradas, e eu me sento na mais próxima, pegando o Financial Times daquela manhã.

A recepcionista fala ao telefone com certo nervosismo enquanto examino a capa do jornal sem assimilar nada. Quando ergo os olhos, Olsen está vindo me cumprimentar, passando pelas portas duplas com a mão estendida.
Fico de pé.

— Lady Luthor, meus sinceros pêsames por sua perda. — Diz Olsen quando beija galanteador minha mão.

— Só Luthor, por favor. — Respondo, ainda preciso me acostumar com o título do meu irmão que era lorde.
Meu título.... agora,claro.

O Sr.Olsen assente com uma deferência educada que me irrita.

— Gostaria de se juntar a nós? Estamos almoçando na sala dos sócios, e devo dizer que temos uma das melhores adegas de Londres.

Hipnotizada, observo as chamas bruxuleantes da lareira do meu clube em Mayfair.

Como invejei tudo que Lex representava,quando era mais jovem. Lex foi o filho preferido desde que nasceu, sobretudo para minha mãe, afinal ele era o herdeiro,estava destinado a carregar o título de visconde desde o nascimento, eu era quem só a filha lésbica que a sociedade julgava e descriminava. Lex tornou-se o décimo segundo conde de Trevethick aos vinte anos,após a morte repentina de nosso pai.
Bebo um gole do Glenrothes e ergo o copo.

— Um brinde aos que se foram. — sussurro, sorrindo com ironia.
Glenrothes era o uísque preferido do meu pai e do meu irmão e,a partir de hoje, esse vintage de 1992 será o meu.

Não sei ao certo quando aceitei a sorte de Lex ou o próprio Lex,mas aconteceu em algum momento do fim da adolescência. Ele tinha o título e a garota,  e eu precisava me conformar, mas  agora tudo é meu.
Até a esposa. Bem,pelo menos ontem à noite.

Mas a ironia é que Lex não incluiu Samantha no testamento.
Nada.
Era isso que ela teria.
Como pode ter sido tão descuidado? Ele escrevera um testamento novo quatro meses atrás, mas não deixara nada para ela. Os dois estavam casados havia apenas dois anos...
Onde ele estava com a cabeça?

Certo, é possível que ela conteste. E quem poderia culpá-la?
O que vou fazer?
Meu celular vibra.

ONDE VOCÊ ESTÁ?

É Samantha.

Coloco o aparelho no silencioso e peço outra bebida. Não quero vê-la esta noite. Quero me perder em outra pessoa. Alguém novo, sem amarras, e acho que vou atrás de algum baseado. Pego de novo o telefone e abro o Tinder.

















LADY-LUTHOR -KARLENA Where stories live. Discover now