Capítulo Trinta e Cinco

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— Isso é uma droga — praguejou baixinho.

— Boca suja — Lipe retrucou ainda absorto no livro.

Fazia horas que eles estavam sentados a pequena mesa do lugar, lendo. Só que Joaquim não aguentava mais. Observar acabou ficando tão entediante quanto, afinal, ninguém ia aquele lugar além deles. Havia pouquíssimos livros e os que havia ali eram gastos, sem conteúdo bom o suficiente. Eram livros que não foram feitos para tirar as pessoas do tédio e sim para deixá-las lá, sufocando.

Lipe estava em um momento em que lia de tudo e ficava orgulhoso quando acertava. Joaquim também inflava de orgulho dele, queria demonstrar isso, mas mesmo em um lugar vazio como aquele, não se atreveu, pois o frio em seu estômago era mais do que ele poderia considerar, parecia que havia alguém os espionando, e ele não sabia como achar, o que o estava deixando louco.

— Érico está demorando — disse pelo que pareceu ser sua décima vez.

— Pode ir procurá-lo se quiser. Eu vou daqui a pouco. Daqui a pouco os sinos vão tocar para o almoço e... Quero terminar de ler este.

Joaquim sorriu. O livro era para crianças, mas Lipe disse que queria experimentar leituras leves antes de partir para livros gigantescos. Joaquim se levantou e beijou o topo da sua cabeça, aspirando o cheiro dos seus cabelos.

— Te vejo à mesa.

E partiu para o palácio.

Enquanto caminhava pelo corredor para o quarto do rei, foi interceptado por um gemido de dor que vinha de vários andares acima, e que mesmo assim, as paredes pesadas do palácio não eram capazes de conter. Era um gemido de uma dor lenta, aqueles que parecem duras minutos e pareciam vir junto com uma oração silenciosa para sumirem logo. Os pelos de Joaquim eriçaram e ele olhou para cima, para o teto do corredor, e os gemidos de dor cessaram no mesmo instante, como se soubessem.

Seus passos o levariam em direção ao quarto de Érico, mas ele não conseguiu parar de pensar nos gemidos e de que pareciam ser de uma pessoa que ele conhecia, mas não sabia ao certo quem.

Mudou de direção no segundo seguinte, subindo os degraus com pressa.

Seu coração estava com batidas descompassadas e suas pernas estavam trêmulas, quanto mais subia, mais conseguia distinguir os gemidos recomeçando, mas parecia que eles mudavam de direção a todo o momento, como se não quisessem ser encontrados. Havia também um ruído de raiva que se seguia aos gemidos de dor. A pessoa estava furiosa por sentir dor. Joaquim entendia.

Quando se aproximou mais ainda, parou, ao ouvir uma porta sendo aberta e a voz preocupada do rei anunciando:

— Ficará melhor, apenas tente dormir. Voltarei antes... lhe prometo.

E então o som da porta fechando. E mais um ruido vindo do fundo da garganta, de raiva.

No corredor, infelizmente, não havia lugar para se esconder, e o rei o viu.

— Você — rosnou. Parecia-se com uma fera.

Por instinto Joaquim preparou o seu corpo, deixando seu tronco mais duro e seus ombros retos. Seus olhos não deixaram de encarar os olhos do rei.

— O que... Estava ouvindo?

— Era impossível não ouvir, Vossa Majestade. Não queria ser... intrometido. Apenas achei que alguém estivesse ferido.

— Ninguém está ferido. Mas já que está aqui, pode finalmente receber isto — O rei lhe estendeu uma carta tirada do próprio bolso. A carta estenda para si parecia uma armadilha e por mais que Joaquim estivesse receoso, descobriu que estava mais receoso por causa do rei se aquilo tudo fosse mesmo uma armadilha. — Pegue. Agora.

Ele o pegou.

Nada aconteceu.

O papel é morno em suas mãos.

— Recebi-a de Donvi — explicou o rei, e parecia que tinha provado algo de muito ruim. — Está endereçada ao príncipe, mas tenho certeza de que você pode lê-la, afinal, vocês são um time, não?

Eles eram um time, sim. Mas pelo modo como ele disse aquilo, parecia que não havia nada mais perturbador.

A carta era breve. Ele a devorou assim que a abriu.

— Um aviso — sussurrou. — Não nos querem lá.

— Compreensível.

Antes que Joaquim pudesse falar algo — e na ponta da sua língua estavam as palavras mais ácidas que poderia pensar — outro gemido de dor, dessa vez mais dolorido, atravessou o corredor. Parecia que as paredes iriam rachar com aquele grito de dor que se transformou, logo depois uma tosse furiosa. Ele iria passar pelo rei e entrar naquele quarto, o empurraria se necessário. Só que o rei deve ter lido a determinação nas linhas do seu rosto e no brilho dos seus olhos pois foi mais rápido, mais rápido do que qualquer um que Joaquim já tivesse visto: o segurou pelo pescoço e o aproximou da beirada da escada, seu calcanhar escorreu pela falta de um pouco mais do degrau.

Por impulso, se agarrou as vestes do rei, sabendo que ele não o soltaria se estivessem agarrados.

— Você e aqueles garotos tolos estão levando confusão por onde passam. Não ache que os aceitaria aqui se não fosse por minha filha. Mas não vou mais tolerar vocês em meu reino. Acho que deveriam ter morrido quando os guardas os apanharam.

— Do que... — Sua mente se agarrou à lembrança com garras. E não a largaria. O momento em que voltaram para o palácio depois de saírem de perto do mar, o caos no baile já estava formado. Após fugirem, guardas apareceram; os mesmos que mataram Clemente.

— Você...

A mão do rei o largou, então. Mão fortes o empurram no peito, roubando seu ar e o desequilibrando. Joaquim observou o sorriso ardiloso do rei enquanto caia escada abaixo; ele ainda escutava os gemidos de dor, mas não sabia dizer se ainda eram da rainha ou seus.

Coroa, Flechas e Correntes (Romance Gay)Where stories live. Discover now