Capítulo Trinta e Seis

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Fechara o livro com força.

Sua cabeça começou a doer de repente.

Tinha passado os últimos minutos sentado naquela cadeira buscando fazer com que sua mente conseguisse compreender as palavras que o livro oferecia, só que todo início de concentração que conseguia logo sumia pelo latejar da sua cabeça. Parecia a ponta de uma adaga sendo girada lentamente em sua nuca, indo e voltando, nunca sumindo. O que absorveu do livro não foi o bastante, sequer conseguiu saber se havia algo de emocionante nela: Será que prestara atenção para conseguir adivinhar o final?

Grunhindo de raiva, Lipe começou a olhar ao redor, querendo apurar seus outros sentidos já que seus dedos estavam grudentos por segurar a capa do livro, e seus olhos estavam cansados e ardendo: seu rosto elevou alguns centímetros e ele sentiu o cheiro de massa de pão sendo assada, fluía pelo ar e o arrebatava como um soco. Coisas sendo assadas ou até mesmo o cheiro de frutas era o suficiente para se lembrar de sua antiga vida nos confins daquele palácio. Estava feliz com sua saída de lá, mesmo em sua atual realidade. Estava aprendendo a ler, conseguia andar pelas ruas e não precisar pensar que tinha que voltar a uma determinada hora; ele podia ficar na rua a noite toda se quisesse. A liberdade também tinha um cheiro ótimo, e era tão bom quanto o de pães assando. Seus ouvidos não escutaram coisas interessantes. Havia várias crianças urrando risadas do lado de fora e alguns dos risos chegava até eles. Não sabia do que elas estavam brincando.

Lipe coçou os olhos com os polegares e decidiu sair dali, ficara tanto tempo sentado que suas pernas tinham ficado dormentes e agora ele sentia o formigamento da sua coza até seus dedos, e doía.

Se segurou na mesa para esperar o sangue voltar a fluir. E foi então que voltou a ouvir os gritos animados das crianças. Só que ele escultou com mais atenção, e percebeu que os urros de animação eram na verdade, urros de dor. Não esperou mais, a voz de Cíntia ecoava em sua cabeça: Seja rápido e use o que encontrar. Assim que cruzou a esquina para chegar no terreno plano que havia atrás da biblioteca encontrou um homem enorme e musculoso que segurava um chicote, e à frente dele, havia cinco crianças, em sua maioria meninas. Elas choravam, e estavam com as mãos estendidas para receberem seus castigos, Lipe logo percebeu o porquê: havia um caixote de madeira derrubado, e ao redor, várias frutas sujas de terra. Uma daquelas crianças havia derrubado e todas estavam pagando pelo erro — Lipe conhecia aquele tipo de punição. Suas costas eram marcadas por cicatrizes por ter errado diversas vezes.

O homem levantara o braço, pronto para acertar a mão de outra criança, que tremia visivelmente esperando o ataque.

— Ei! — Ouviu-se gritar — Deixe essas crianças em paz!

O homem — e as crianças — o encararam. Sua coragem não falhou. Ele se aproximou daquele homem e ordenou, novamente, que ele deixasse as crianças em paz.

— Elas trabalham para mim, seu tolo — o homem tinha uma voz notoriamente rouca, os dentes eram amarelados e ele cuspia o tempo inteiro. — Saia do meu caminho!

A menina que estava mais adiante se encolheu de medo ao ouvir o homem gritar. Lipe se agachou para ficar da altura dela, e viu suas mãos encharcadas de sangue, que escorria pelos seus pulsos e pingava na terra batida logo depois. Todos os urros que ele achou ter sido brincadeira eram de dor, e isso estava agora lhe causando náuseas e uma crescente e fervente raiva. Lembrou-se então do cocheiro que os trouxera até Esilhas. Suspeitou que não fosse mais velho do que ele ou mais velho que os companheiros, mas não imaginava que ele fosse tão mais novo! Era praticamente uma criança, como estas que estão choramingando, olhando para ele com crescente esperança.

Não havia nada pior do que a esperança nos olhos delas. Lipe teve vontade de gritar para elas: Não confiem em mim, nunca salvei ninguém antes. Não sei por onde começar...

Coroa, Flechas e Correntes (Romance Gay)Where stories live. Discover now