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16.

EVANGELINE

A manhã é um borrão.
Há tanto a fazer, tanto para se preparar e há tantas pessoas se preparando. Porém, sei que, no final das contas, essa batalha é minha; tenho assuntos não resolvidos com os quais lidar.
Meu tio sempre foi obcecado por me ter por perto, quando foi embora quase me levou com ele, mas quando prometi odiá-li para sempre e fazer da vida dele um inferno se ele me separasse de Aaron, ele decidiu que deixaria com ele. Agora acho que ele mudou de ideia sobre isso.
Acho que descobrirei logo.

Alguém está chamando meu nome. Paro no lugar.
Viro-me.
James.
Ele corre até mim do lado de fora da sala de jantar. Seu cabelo, tão loiro; seus olhos, tão azuis, iguais aos do irmão mais velho. Mas senti saudades do rosto dele de uma maneira que não tem nada a ver com o quanto ele me lembra o Adam.
James é uma criança especial. Uma criança esperta. O tipo de garoto de dez anos que é sempre subestimado. E está me perguntando se podemos conversar. Ele aponta para um dos muito corredores.
Eu concordo balançando a cabeça. Sigo-o por um túnel vazio.

Ele para de andar e vira-se para o outro lado por um instante. Fica ali, parecendo desconfortável. Não estou admirada por ele querer falar comigo; apesar dele começar a passar o tempo com as outras crianças do Ponto Ômega logo depois de chegarmos, nunca consegui parar de falar com o garoto, e ele parecia gostar bastante de mim também. Mas, mesmo assim, ele não falava comigo há semanas, eu achava que as outras crianças tinham falado bobagem em sua cabeça — sobre eu ser um monstro — é que por isso ele tinha se afastado.

A sua cabeça ainda está baixa quando ele sussurra:

- Eu estava muito, muito bravo com você.

E as costuras do meu coração começam a estourar. Uma por uma.
E ele levanta o olhar. Olha para mim como se tentasse avaliar se suas primeiras palavras me chatearam ou não, se vou gritar com ele ou não por ser sincero comigo. E não sei o que ele vê em meu rosto, mas parece desarmá-lo. Ele enfia as mãos nos bolsos. Esfrega o tênis formando círculos no chão. Diz:

- Você não me disse que já matou alguém.

Eu respiro, e me pergunto se, algum dia, haverá uma maneira adequada de reagir a uma afirmação como essa. Pergunto-me se alguém, além de James, um dia dirá algo assim para mim. Acho que não.
Assim, apenas balanço a cabeça. E digo:

- Sinto muito. Eu devia ter contado a v...

- E por que não contou? - ele grita, deixando-me chocada. - Por que não me contou? Por que todo mundo sabia, menos eu?

Fico surpresa por um instante, surpresa com a dor na voz dele, a raiva em seus olhos. Eu nunca soube que ele me considerava uma amiga e percebo que devia ter levado isso em consideração. Porém, estive tão preocupada com os meus próprios problemas que nunca pensei que James se importaria tanto. Nunca percebi que minha ausência pareceria uma traição para ele. Que os rumores que ouviu de outras crianças devem tê-lo machucado tanto quanto me machucaram.

Assim, resolvo me sentar, bem ali no túnel. Deixo um espaço para ele se sentar ao meu lado. E lhe digo a verdade.

- Eu não sabia como... como te dizer, ou se devia te dizer. - confesso - Eu era uma pessoa diferente antes de conhecer seu irmão e Kenji, James, eu era... ruim. Só não queria que você me odiasse.

Ele olha para o chão. Diz:

- Eu não a odeio.

- Não?

Ele mexe nos cadarços do tênis. Suspira. Balança a cabeça.

- E não gostei do que estavam falando sobre você - ele conta, com a voz mais baixa agora. - As outras crianças. Elas diziam que você era má e cruel e eu falava que você não era. Eu dizia a elas que você era calma e gentil. E que você tem um cabelo bonito. E elas diziam que eu estava mentindo.

Bad Word [Kenji Kishimoto]Where stories live. Discover now