2 Timóteo 4:7

16 2 3
                                    

"O fim está próximo", dizia o folheto colado às pressas no ponto de ônibus. Em outros tempos, Ava nem o teria notado. Mas agora, com Samael prestes a lançar seu ataque final, aqueles avisos malucos sobre fim do mundo não pareciam mais tão longe da realidade. No 'Cat's Cradle', a Madre Superiora aguardava a hora marcada para começar a reunião. E quando Ava chegou, mesmo vendo que ainda faltavam alguns minutos, considerou que não havia mais tempo a perder.

"Já que estão todos aqui, vamos começar", disse a Madre em tom solene. "Hoje cedo eu enviei um chamado para as nossas Divisões, em cada um dos continentes. Emiti um alerta sobre Samael, repassei as nossas estratégias, o que tem funcionado contra os demônios... E recebi más notícias. Houve um ataque na América do Sul. Perdemos cerca de dez irmãs guerreiras..."

Fazendo uma breve pausa, ela olhou para Mary e depois continuou.

"E Vincent. Ele está morto".

Ninguém esperava que Mary fosse chorar por isso. Mas, no fundo, ela também não sentiu prazer algum. E olhou para Aslan, como quem diz: "Você tinha razão. Nada vai trazer a Shannon de volta".

Antes de prosseguir, a Madre Superiora resolveu dar um tempo para que todos assimilassem as novas informações.

"Aquela tal Joana e os demônios... eu até acho que a gente dá conta", avaliou Camila. "Mas, Samael, o próprio Diabo..."?

"A gente não tem a menor chance", completou Yasmine, fazendo o sinal da cruz.

"Nós precisamos de um arcanjo", concluiu Ava. "Precisamos de Uliel".

"Mas você mesma disse que não é possível contactá-lo", argumentou a Madre.

"E não é. Mas eu posso usar o arco dra Dra. Salvius e..."

"De jeito nenhum"!, Beatrice a interrompeu. "Você não vai voltar lá".

"E você tem ideia melhor"?

Beatrice olhou para Lilith que, com sua transformação em fase inicial, ainda não era capaz de atravessar o Véu usando seus poderes. Mas então se lembrou de Aslan que, de pé num canto, ouvia o debate em silêncio.

"Ele pode atravessar", falou Bea, apontando para Aslan. "E nem precisa do arco".

"Já esqueceu que a Reya quis obrigar a Ava a ficar do Outro Lado? E se ela fizer o mesmo com ele"?, protestou Lilith, visivelmente alterada.

"É um risco que nós vamos ter que correr".

"Nós"?, questionou novamente, com sarcasmo.

"Já chega", interveio a Madre Superiora. "Não é hora de vocês duas..."

"Eu vou", disse Aslan, interrompendo-a.

Imediatamente, todos os olhares se voltaram para ele, que pensou em segredo: "É o fim da minha jornada aqui". E, decidido, anunciou:

"Ava tem razão. Nós precisamos de um arcanjo. E eu vou buscar um".

Àquela altura, embora a traição de Vincent ainda a deixasse apreensiva, a Madre Superiora percebeu que não havia outra saída, a não ser confiar em Aslan. Num gesto de fé, pegou um medalhão da OCS numa gaveta e o pendurou no pescoço dele.

"Você agora é um de nós".

Aslan ficou imóvel, sem saber como reagir. De repente, sentiu o rosto queimando e um nó na garganta. Uma sensação que nunca havia experimentado em toda a sua existência. E, como que adivinhando o seu pensamento de nunca mais retornar, a Madre continuou:

"Espero que volte logo. Seu lugar é aqui".

Prestes a não conter uma lágrima, Aslan apressou a despedida. Olhou para Mary, como se precisasse da aceitação dela mais do que de todas as outras. E depois, para Lilith, que virou o rosto para não vê-lo partir. Então, ele deu um passo atrás e, por fim, desapareceu.

§ Música-tema: Heavenbound – Marina Kaye

****

Haziel atravessou o Grande Jardim em direção ao Palácio de Reya. Chegando às escadas, respirou fundo e tentou reorganizar os pensamentos. A verdade é que ele jamais havia imaginado que um dia seria tão difícil se despir de sua identidade humana. Enquanto ia caminhando pelo salão principal, os anjos e todos os demais seres do reino o seguiram com os olhos, comentando entre si que Haziel estava de volta e se perguntando por onde ele teria andado. Ao avistá-lo de longe, Uliel não esperou que ele chegasse até Reya e foi quase correndo ao seu encontro. Mas ao se aproximar, a primeira coisa que notou nele foi o medalhão da OCS em seu peito.

"Você está diferente, irmão", observou Uliel com um meio sorriso.

Haziel não respondeu. E nem precisou. Nunca foi tão fácil ler a verdade em seus olhos.

"Desistiu da sua aventura na Terra"?, perguntou Reya à distância.

E percebendo que Haziel ficou surpreso, ela tentou provocá-lo um pouco mais.

"Achou que eu não sabia"?

"Eu nunca duvidei do quanto você sabe", respondeu ele. "O que eu me pergunto é quanto dessa sabedoria você divide conosco".

Reya não pôde compreender o que Haziel estava insinuando, mas percebeu que havia uma certa agressividade em seu tom de voz.

"Cuidado com suas palavras", advertiu ela. "Eu nunca interferi nas suas escolhas. Mas não vou tolerar acusações de quem abandonou este reino, no meio de uma guerra, para agir pelas minhas costas".

Preocupado com o rumo da conversa, Uliel achou melhor intervir.

"Tem uma coisa que eu não entendo, irmão. Você esteve com os humanos esse tempo todo. E pelo visto lutando ao lado deles...". Apontou para o medalhão da OCS enquanto falava. "Por que então não agiu desde o início e evitou que libertassem o Adriel"?

"Porque quando eu decidi ficar na Terra, não foi pra mudar o destino dos humanos. Foi pra mudar o meu". 

ENVOLE-MOIWhere stories live. Discover now