03 | tarde demais para um café com leite

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Chegar em casa e entrar sem acordar meus pais foi uma tarefa fácil; conseguir dormir, nem tanto.

Meu corpo continuou quente só com a lembrança do toque daquela abusada e eu revirei na cama por boas horas da madrugada, incomodada pela forma como, ao invés de repudiar, todo o meu ser cedeu às mãos e à boca dela.

Mesmo assim, eu continuei culpando a bebida.

Tanto por essa reação estranha do meu corpo quanto pela dificuldade em dormir. Por isso, quando o dia amanheceu, eu mal tinha fechado os olhos e já precisei levantar antes que minha mãe acordasse e percebesse que seu carro não estava lá, como eu prometi que estaria.

Completamente derrotada, eu me arrastei até o banheiro do meu quarto, decidida tomar uma ducha fria para tentar espantar a sensação horrorosa de cansaço, mas mal passei da porta e quase gritei, assustada, ao ver meu reflexo no espelho do closet. Foi a marca roxa e irregular no lado direito do meu pescoço, que só pode ter uma causa.

— Aquela filha da puta deixou um chupão! — Constatei, sozinha, inclinando meu rosto enquanto observava a mancha.

Completamente desacreditada sobre ter deixado isso acontecer, eu passei as mãos pelo rosto, frustrada, antes de acertá-las no balcão de mármore da pia.

— Porra, caralho, puta que pariu... eu nunca mais vou beber! — Resmunguei, inconformada.

E mesmo ainda querendo gastar mais um bom tempo com minha autocondenação irrefreável, a necessidade de esconder de minha mãe que eu tinha voltado para casa e deixado seu carro na rua foi maior, por isso me enfiei debaixo do chuveiro e esfreguei meu corpo com força, como se isso pudesse apagar os vestígios do toque daquela desgraçada.

Depois de me vestir, então, eu peguei minhas coisas e desci até a cozinha, onde Joana, nossa empregada, já se ocupava fazendo o café da manhã.

— Que milagre! Caiu da cama, foi, menina? — Ela arregalou os olhos ao me ver passando direto até a geladeira, parecendo perceber a obra de arte em meu pescoço.

— Soraya do céu, o que é isso?!

— Bom dia pra você também. — Eu disse depois de secar um copo de água e me aproximei só para beijar sua testa, como sempre faço, ignorando sua última pergunta. — Preciso resolver uma coisa. Volto já.

— Não vai comer nada antes de sair? — Ela insistiu, me vendo caminhar em direção à porta de casa. — Saco vazio não para em pé, Soraya!

— Como quando voltar! — Respondi, apressada, e só parei para pegar meus sapatos na sapateira ao lado da porta antes de calçá-los.

Assim que saí, eu coloquei os óculos de sol de armação quadrada no rosto, porque meus olhos estão particularmente sensíveis por conta do pouco sono, mas também porque óculos me deixam irresistível.

Depois, caminhei, ou me arrastei, pela avenida até encontrar um táxi disponível.

Durante o caminho até o lugar onde deixei o carro da minha mãe, eu quase cochilei, mas fui arrancada do meu estado de letargia quando meu celular vibrou e, preguiçosamente, o puxei para fora do bolso.

Não atender

|Bom dia (:

Eu revirei os olhos furiosamente ao perceber quem enviou a mensagem e devolvi o celular ao bolso imediatamente, sem nem ponderar a possibilidade de responder.

Se eu o fizesse, de qualquer forma, seria para xingá-la até a décima quarta geração por ter feito o que fez em meu pescoço.

Se eu tivesse um death note, o nome Simone Tebet certamente seria escrito lá.

AFRODITEWhere stories live. Discover now