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GIOVANNA

Alexandre Nero havia me deixado sem reação perante a porta da nossa sala.

Não foi somente o que ele falou, mas o modo grosseiro como seu rosto se contorceu e suas palavras foram proferidas. Vi quando atravessou o corredor parecendo irritadíssimo, e pela primeira vez nos últimos sete anos achei que me arrependeria de alguma coisa que falei. Acabou sendo apenas um lapso, a sensação durou um simples minuto. Depois, liguei o "foda-se", aprumei a minha bolsa nos ombros e saí.

Não me arrependo de ter dito a verdade. Ninguém deveria se arrepender de ser sincero.

Andei na direção do elevador, morrendo de cansada por causa do dia longo e da noite sem dormir. Estava arrasada por dentro, mas, por fora, mantinha a segurança da qual preciso para viver em paz comigo mesma. Respondendo à pergunta de Alexandre: não, não faço ideia do que me aguarda em casa. As coisas passaram dos limites na noite anterior, e sei que teria um problemão para resolver.

O projeto era fichinha diante daquilo.

Ainda tinha a questão do meu salário. Pedi à Sônia para que me enviasse informações sobre os outros coordenadores, mas ela nada tinha enviado desde então. Encontrava-me apreensiva, pois estava prestes a descobrir por que ganhava menos que Alexandre. Se apenas eu dentre os coordenadores ganhasse menos, as coisas ficariam muito sérias. Juro que vou até o inferno para lutar pelos meus direitos.

Para a minha surpresa, Alexandre ainda esperava o elevador chegar. Era tarde, provavelmente não tinha viva alma trabalhando àquela hora. Mesmo assim, a academia funcionava até as dez e a movimentação era sempre intensa no primeiro andar. Infelizmente passaria mais um dia sem fazer exercícios. A abstinência estava me matando, mas o sono era pior ainda.

Assim que me aproximei dele, o elevador apitou e abriu as portas vagarosamente. Alexandre percebeu a minha aproximação, mas fingiu que eu não existia: entrou no elevador e, ainda muito sério, fez cara de paisagem. Olhou cada detalhe que havia do chão ao teto sem colocar seus olhos em mim. Nem sei como conseguiu fazer aquilo.

Não me movi. Estava disposta a lhe dar um pouco de espaço. Também queria o meu. Não há nada melhor do que ficar sozinha, imersa nos próprios pensamentos. Ia demorar a me acostumar a dividir uma sala, ainda mais com ele. Não daria certo, sei que não. A confusão estava apenas começando.

Sequer fiquei irritada por ele ter praticamente dito que eu era uma perturbada mental que precisava de tratamentos sérios. Sei bem o que sou e o que faço. Eu me conheço. Minha identidade reconstruída me agrada. Faz-me bem. Ser autêntica,dona de mim, sem medo, sem culpa e sem rodeios era o melhor que podia fazer para a minha consciência.

Silenciosos e eternos segundos se passaram até que o elevador decidiu fechar as portas novamente. No último instante, Alexandre colocou a mão, obrigando as portas a não se fecharem.

- Não vai entrar?

- Não.

- Por quê?

Revirei os olhos. Era um saco ter de aturar as perguntas idiotas daquele cara,ainda mais sabendo que agia cinicamente. Ele me chama para jantar, diz que sou psicótica, diz que sou arrogante e agora segura o elevador para mim. Só pode ser um cínico mesmo. Ou isso ou o mundo perdeu o sentido.

- Porque não.

- Não seja infantil, o andar inteiro está vazio e escuro. Não tem ninguém em pelo menos uns dez andares abaixo de nós.

- E daí?

- Não tem medo?

- De quê? - fiz uma careta.

DominadosWhere stories live. Discover now