A Ratinha Detenta

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~ Lily Argent ~

   “Ratinha”. Era assim que a Shonda costumava me chamar, e é o que provavelmente sou.

   Afinal, nunca fui muito alta, ou muito forte, tampouco corajosa, e, o incidente que havia me mandado para a cadeia não passara de um episódio de sorte seguido por uma maré de azar, ainda  que não possa dizer que as tesouradas que dei em meu padrasto foram acidentais, mas sim uma resposta a mais uma das muitas agressões que já sofri em suas mãos.

   Certamente ele havia me considerado o saco de pancadas ideal, após a morte da minha mãe. O problema é que eu estava longe de ser tão resistente quanto Mei, que aguentara todos aqueles abusos desde que me entendia por gente, e por isso eu havia partido para a sacada daquele hotel de beira de estrada, onde o Policial Grimes me encontrou.

   Duvido que Rick sequer desconfiasse da confusão em que se metera, quando se dispôs a me ajudar, mas a escolha que fiz desde nosso último encontro havia sido tomada, e no fim me restou arcar com as consequências.

   Mas afinal, o que eu sabia sobre viver numa prisão?

   Nada, de modo que não demorou muito para que detentas maiores viessem tentar tirar vantagem de mim. Para o azar delas, Shonda era maior do que todas: mais velha, mais sábia, mas ao mesmo tempo portadora de músculos o bastante para apelar para a força bruta, caso não te conquistasse com argumentos.

   E não faço ideia se meu visível desespero e inocência foram capazes de comovê-la, mas do dia para a noite me vi sendo protegida debaixo de suas asas, tendo pela primeira vez em minha vida alguém que lutasse por mim. Isso até o mundo ruir, é claro.

   A ala feminina foi uma das primeiras a ruir, pois foi a primeira parte da prisão que os policiais tentaram controlar as rebeliões. Foram muitas baixas, tanto entre eles quanto entre nós, mas no fim Shonda conseguiu unir presidiárias o suficiente para afugentá-los para a ala masculina, onde pareceram ter iguais dificuldades de contenção. O que importa é que no fim eles se foram, e muitos detentos vendo que não haviam mais muros para prendê-los, decidiram tentar a sorte fora dos muros.

   Shonda foi a primeira a ver que isso não valeria à pena. Afinal, ainda no meio daquele tumulto todo havíamos visto os primeiros infectados conseguindo escapar da Ala Hospitalar, se misturando entre as pessoas que morreram em meio à revolta numa velocidade avassaladora. Portanto, foi dela a ideia do nosso grupo restante — que na época não passava de uma dezena — permanecer, até que alguém viesse nos dar satisfações quanto àquela estranha epidemia.

   Infelizmente, algumas detentas tiveram medo de que o exército viesse fazer muito mais do que nos dar respostas, e agisse contra as mortes de todos aqueles policiais. Levaram uma semana para arquitetarem a morte dela, mas haviam sido negligentes quanto a como lidar comigo, de modo que consegui fugir por muito pouco.

   Se eu fosse um pouco mais esperta, talvez tivesse fugido como os outros, mas decidi permanecer, e às escondidas as vi mudando bruscamente de ideia, desejando permanecerem e liderarem no lugar de Shonda, como muito provavelmente desejavam desde o início.

   Foi quando decidi não deixar aquilo passar impune.

   — Os policiais tinham o arsenal deles. Foi um erro delas não terem feito a varredura daquela sala, tanto quanto não terem deixado ninguém ali de vigia. — declarei em tempo real para Hershel e Rick, pouco me importando com suas expressões de pena. — Deixei que dormissem, e na calada da noite estourei algumas bombas de gás lacrimogêneo em suas celas. Óbvio que aquilo não as mataria, mas deixou suas visões prejudicadas. A cena foi quase como tocar uma bombinha numa toca de ratos: Todas saindo desesperadas, sem entender de onde tinha vindo aquilo, até que... — me contive, apertando as palmas contra minhas pernas, não querendo dar mais detalhes sobre o ocorrido.

Muddy Waters - The Walking DeadWhere stories live. Discover now