Cory Ston, o Maniaco do Parque.

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Ele foi um grande companheiro, um dos quase nenhum amigo que tive, ou posso dizer melhor amigo. Acredito que nossa relação foi a mais próxima de uma amizade. O importante é que o Sr. Ston foi com quem mais e melhor me envolvi e entendi, como eu, não se enquadrava em nenhum lugar. Isolado e fechado, sem nenhum teor sentimental; era totalmente sozinho, restrito até a grupo de moralidade distorcida, fazia questão de ter seu corpo sempre trancado a sete chaves, vivendo a sombra de cadáveres de pessoas que ele mesmo produziu. Corey Ston foi um grande idealista, um apreciador da arte da atuação, sua psicopatia o proporcionou uma obra teatral onde ele era a estrela e o mundo era o palco do seu show. Nós convivemos mais ou menos seis anos, e nesse tempo recebi irregularmente uma série de cartas dele, responde-lo era algo completamente complicado; não tem como oferecer ajuda a quem acha que não precisa, eu não sabia o seu paradeiro e suas cartas não tinham um remetente sequer. Não se tem o que dizer ou falar para um homem que já sabe todas as respostas que precisa; e entende todas as consequências; que sabe seu fim. Ston não queria alguém que mudasse o seu pensamento, mas sim que o escutasse, no caso, lesse suas cartas e apenas tentasse entende-lo, apenas isso. Foi difícil entender o seu desejo, pois, no fundo, minha maior vontade era de ter uma única pista sequer, para que pudesse fazer a denúncia de seu paradeiro. Mas nesse jogo de esconde e esconde, ele sabia brincar bem melhor que eu. Enquanto as pessoas se escondiam atrás de mascaras, Ston se escondia atrás de cenários construídos e arquitetados para que no fim de cada ato, ele pudesse desaparecer como alguém que nunca existiu. Por esse motivo, tive a obrigação de entende-lo.

Sua vida, foi bem complexa e sofrida, já seu fim, calmo e silencioso como o enterro de um indigente. Sua família não tinha ideia de quem era; e eu, era só alguém que lera todo o roteiro da peça de sua vida. Sua história um conjunto de anagramas que fui incapaz de decifrar, e por isso não consegui salva-lo de si próprio. Fiquei a mercê da impotência de quem vê tudo, mas não pode fazer nada. Enquanto isso, ia fazendo história, estando na tela de todos os jornais, e incentivando pessoas como ele a fazer o mesmo, talvez ganhe a proporção do que um dia foi o Estripador. Confesso que não acredito em reencarnação, mas ele, fez questão de deixar seu legado para que de alguma forma, alguém ainda pudesse salva-lo.

Seu nome era Corey Ston, mas todos o conheceram como O Maníaco do Parque.

I'm Sad. Sorry.
Sr. Fallen

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Algumas histórias não começam felizes como a maioria que a gente vê pela internet com o título "conte a uma criança", na verdade, mais que o normal, começam em estados de calamidade e sofrimento extremo. A minha foi uma dessas, capaz de destruir a esperança do protagonista, a cada parágrafo uma dificuldade que, eu, o personagem principal, não tinha noção de como faria para superar, ou pelo menos ainda ter esperança de continuar. As infantis, normalmente tem sua base restrita a: Início feliz; meio turbulento; clímax e o final feliz; onde a princesa é salva por um príncipe que ninguém nunca viu e normalmente é bem mais velho que ela, eles se casam e são felizes para sempre. Para mim, é só mais um exemplo de pedofilia, esse "final feliz" é tão intuitivo, que consegue confundir o quão duro a vida real pode ser.

As pessoas acreditam no inferno, eu o conheço desde que nasci. Desde bem novo aprendi o quão cruel as circunstâncias poderiam ser, minha mãe me agredia por um respirar fora do lugar; foi quem me mostrou o quão colorido poderia ser a arte de pintar: em tons de azul, verde e roxo. Eram as cores frias, que diminuíam o calor que morava em meu coração, me deixando bem próximo de uma estátua humana. Aprendi o quão doido era a chuva molhar a roupa no varal, o ônibus demorar a chegar, ou algum de seus planos não ir como o planejado. Para ela todas essas situações tinham a ver comigo e com o destino. "Você não deveria nascer!" era a sua frase preferida, e no meio disso tudo, meu refúgio era brincar no parque com as crianças da vizinhança. No parque se tinha de tudo, desde uma nuvem de crianças de favela, a burgueses brancos com suas empregadas pretas e faveladas de estimação, tinham também os valentões, que sempre estavam cobertos de um escudo chamado razão, diferente de nós, eles a compara no mercado, e por terem dinheiro conseguiam tudo que queriam.

O dinheiro compra a razão. Era essa uma das lições que aprendíamos na periferia, e se a polícia vier, ou a gente corre com a certeza de que nunca mais vai ser visto, ou reza para não ser o escolhido da vez; até porque, os escolhidos nunca voltavam. A chegada dos valentões que moravam no condomínio sempre era a minha deixa de "pegar o meu rumo para casa", mas como nada na minha vida estava ao meu favor, um dia calhou de nos encontrarmos em uma das trilhas de uma área de floresta nativa protegida pelo governo que tinha ao lado da praça que eu brincava. Eu costumava ir ali me distrair e esquecer um pouco das surras e das chuvas de xingamentos que minha mãe amava me dar como presente por ter nascido.

Tudo já estava bem ruim, mas esse dia foi o cumulo da humilhação, eles me deixaram sem roupa e me agrediram das piores formas possíveis, eram sete meninos e o mais novo tinha para lá de seus dezesseis anos. Naquele dia eu conheci duas cores diferentes, o vermelho do sangue e o branco. Quando tudo terminou eles foram embora sorrindo, como se nada tivesse acontecido, cobertos pela razão que tinham desde que nasceram; e eu fiquei lá imóvel, tanto quanto uma escultura barroca. Fui encontrado várias horas depois por uma mulher que fazia trilha e me levou para sua casa e cuidou de mim por sete dias, até eu decidir ir embora e voltar para casa.

A experiência de quase morte me mudou, eu já não tinha mais o medo que morava em mim, muito menos os pensamentos eram os mesmos. Voltei para casa e usei da internet como milha maior aliada, estudei por conta própria e aprendi a roubar e converter esse dinheiro em moeda digital. Aquele era o início de uma nova era, naquela noite, aquele choro, era o sinônimo do nascimento de um homem que ficará conhecido por todo mundo. Naquele dia, nascia Corey Ston.

Ainda me lembro de como tudo doía, e como tudo começou a melhorar com o adeus a minha mãe, era libertador, quando peguei minha mochila porta a fora, tinha certeza de que o estava prestes a fazer não teria mais volta. Para minha mãe não fazia nenhuma diferença, ela nem queria que eu estivesse vivo. Foi então que acompanhei a fase da vida de todos aqueles que destruíram a minha. Todos, se tornaram pessoas bem-sucedidas. Como não se tornar, sendo filhos de pais ricos? 

Agora, todos eles têm uma linda e maravilhosa família tradicional. Que marginaliza o estupro e a violência, mas só vale da porta de suas casas a fora. Suas felicidades plásticas iram ser queimadas por mim. Não se preocupe Fallen, eles me destruíram, agora é a minha vez de dar o troco. Será uma grande peça teatral, de nome: "A queda dos pilares". Pilares esses que já foram erguidos, só tenho que derrubar um a um.

Queria me desculpar por não ter uma derrota nesta carta e sim um triunfo. Mas esta obra tem um grande drama, dor, sofrimento e mortes. Por favor, aguarde os próximos capítulos.

Corey Ston,
Maníaco do Parque.

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Quando recebi essa carta confesso que, foi um tanto quanto perturbador, lê-la sem poder fazer nada. Mas o que eu podia fazer? Não tinha direito de resposta em uma carta sem remetente, muito menos um nome real, Ston havia sido inventado, era o protagonista disso tudo, mas não foi quem escreveu o roteiro, ele disse que o roteirista era o destino, infelizmente eu estava de mãos atadas.

Sr. Fallen.

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⏰ Last updated: Jul 14, 2020 ⏰

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