Capítulo 4

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– Tem certeza de que vai sair agora? O tempo ainda está estranho. – disse o aprendiz.

O jovem viajante tivera uma noite bem tranquila comparada com as anteriores. Quando acordou naquela manhã, comeu a comida ofertada pela igreja de bom grado, afinal, para ele essa era uma das únicas coisas boas que a igreja poderia oferecer. Bom, ao menos algumas possuem esse atributo.
Antes de partir, Alef manteve na sua mochila os dois pães que comprara e os dois tomates que ganhara, além de levar consigo o seu cantil abastecido com água. Seu amigo, August, insistiu para que Arvid ficasse, mas ele sabia exatamente que rumo deveria tomar, com tempestade ou não.

Além disso, as despedidas para o forasteiro era algo bem comum, aliás, os encontros, os retornos e os  "adeuses" eram bem frequente em sua vida.

– Sim, eu vou. Não vim aqui para ficar. Como eu disse, estou apenas de passagem.

Depois de ouvir os diversos conselhos de August, os velhos amigos se despediram com um aperto de mão e assim Alef partiu sem olhar para trás.
A cada passo, era possível notar que o tempo ia de mal a pior, estava ficando cada vez mais cinza e escuro, dando sinais de que uma tempestade bem carregada estaria para acontecer. 

Nesta caminhada de um mês, ouvindo de vez em quando as direções de Iter, o jovem percebera que somente naquela cidade que começara de fato a sua jornada.

E assim seguiu o homem cujo cabelos eram pretos e cujo olhar estava repleto de curiosidade. A pergunta que mais ecoava em sua cabeça era: O que irei encontrar?
Muitos dizem que a vida é uma caixinha de surpresas, e para aqueles que sempre experimentaram o pior da vida, uma faísca de esperança é algo um tanto atraente.


                                                                               ↞↠

Não gosto muito de andar por áreas muito fechadas como esta pelo qual estou seguindo. Árvores altas que cobrem a visão do céu e sons constantes de animais. O norte da cidade de Enyculos é arborizada e poucos são os que preferem seguir por este caminho. Não pude deixar de ouvir os avisos dos moradores que moravam próximos da entrada da floresta.

 "Tem certeza de que quer seguir por esta banda?" / " Há muitos perigos por esta região!"

Só sei que devo ir para o norte encontrar alguém. No entanto, quanto mais eu caminho mais eu percebo que posso está agindo de forma ingênua. 

O som do trovão me desperta de meus pensamentos e me leva a realidade. Sinto pingos de gotas geladas caírem sobre mim e isso só me leva a crer que eu deveria ter ouvido August. Não sou uma pessoa que gosta de seguir minhas emoções, eu gosto de seguir o que é lógico e mais proveitoso para mim, porém, desde que Iter entrou em meu caminho eu me sinto muito confuso. O que eu faria e o que eu diria não parecem ser mais as minhas primeiras opções, talvez porque Iter me atraiu de uma forma que me desestabilizou totalmente!

A chuva começava a cair com mais força e os trovões ecoavam com mais brutalidade.
Foi nesse momento que  decidi andar mais depressa em busca de um abrigo.
O lugar a minha volta só me trazia sensações ruins, como se algo terrível fosse acontecer. O som dos ventos batendo nas árvores e as folhas voando só piorava mais ainda a situação. O ambiente de fato pode fazer com que nós venhamos a imaginar coisas que causem medo. Talvez o perigo que os moradores disseram não se tratava de alguém, mas sim o local. 

"Seguir com tempestades ou não". Esse era o meu pensamento quando dei o meu primeiro passo para sair da cidade. No entanto, há algo que devo admitir: A boca, muitas vezes, é muito mais corajosa do que nós mesmos. Suas palavras saem com tanta bravura. 
Mas aqui estou eu, com um arrependimento profundo de ter saído daquela cidade. Foi então que comecei a correr, pois não queria que meus pães ficassem molhados e nem queria continuar mais um minuto naquele lugar.
Enquanto eu corria o mais depressa que eu podia, tropecei na raiz de uma árvore que me levou de cara ao chão lamacento. 

— "Siga para o norte, você encontrará alguém!" — repetiu Alef, as palavras do jardineiro.

Me levantei com tanta raiva da situação tosca que estou vivendo. 

— Fale alguma coisa, Iter! Seu amiguinho só queria me ver coberto de lama? Era isso que VOCÊ queria que eu encontrasse, uma floresta lamacenta?

A tempestade aumentava cada vez mais, fazendo com que o vento derrubassem galhos e dificultasse a minha visão. 

Cogitei em voltar, porém já não sabia mais o caminho por onde vim.

Siga em frente.

A voz de Iter soou em meus ouvidos, me trazendo arrepios. De imediato a sensação de solidão havia se partido, me deixando mais calmo e confiante.

Poderia uma simples voz causar tamanho efeito em alguém? 

A floresta para mim estava assustadora e parecia que árvores cairiam sobre mim. Havia diversas possibilidades de mortes aqui, porém nenhuma delas pareciam ser preparadas para mim. Eu me senti seguro e protegido. Eu desejei responder Iter, mas não encontrei palavras para isso.

Quanto mais eu andava, mais o lugar se tornava obscuro e pesado, mas um sentimento de algo que não consigo decifrar pairava sobre mim.

Era esse alguém que eu encontraria? 

Meus olhos não o veem como a luz de outrora e nem como uma pessoa, mas a sensação de que tem alguém ao meu lado era única e real. 
Para andar estava ficando difícil, pois a lama não facilitava meu caminho e o vento atrapalhava minha visão. Entretanto, eu estava sendo direcionado por Iter.

Apesar do caos que se instaurava ao meu redor, consegui sair da floresta depois de algumas horas. E a chuva? Bem, eu nem tinha percebido quando ela se foi. Eu só conseguia me concentrar naquela sensação que tive e nos passos que eu deixava marcado na lama.

                                                                              ↞↠

Após sair da floresta, Alef começou a chorar por dois motivos: O primeiro era que depois de perder seus avôs, o jovem em momento algum recebeu consolo ou apoio de alguém em meio a tempestade que acontecia dentro de si, e depois de tantos anos de solidão e desamparo, alguém que não era de muitas palavras havia trazido a ele a paz e a consolação que ele achava que não poderia receber mais. Porém, eram totalmente diferente dos da sua vó e de seu avô. Aquele que o acompanhara o conhecia e o compreendia mais do que ele mesmo. E o segundo motivo é que ele ainda podia ouvir a voz de Iter. Apesar da raiva que tinha por seguir o caminho de Iter, ele no fundo queria segui-lo e encontrar uma faísca de esperança. 

Enquanto o jovem viajante chorava, um velho homem que conduzia seu cavalo amarrado a sua carroça se aproximava de Alef, que se pranteava a beira da estrada.

— Em minha terra, homens que choram não podem ir para batalhas.

De imediato Arvid tentou secar suas lágrimas, mas sua tentativa era vão pois se encontrava encharcado.

— Eu não estava chorando, estou apenas molhado e sujo demais. 

— É, estou vendo. E desse jeito não subirá na minha carroça.

O jovem olhara para sua condição e estava pior do que imaginava.

— E quem disse que eu quero subir na sua carroça? Não pedi a sua ajuda.

— Suas pernas pediram, tremem como vara verde ao vento. — disse o velho que logo em seguida soltou sua gargalhada.

De fato, as pernas do viajante tremiam de tão esgotado que estava. Andar por horas numa floresta em meio a ventos fortes e uma brava tempestade, deixaria qualquer um exausto.

— Por sorte, há um poço bem ali. 

O velho homem desceu de sua carroça e conduziu Alef até o poço, que logo em seguida, derramou um balde de água sem dó e piedade no jovem.

— Nem a tempestade derramou sua chuva com tanta violência em cima de mim como você!

— Você reclama demais! Bom, agora suba na carroça.

Enquanto o velho subia na carroça, o forasteiro não pôde deixar de questionar.

— Por que está me ajudando? Não o conheço e nem pedi sua ajuda.

— Eu fui pago para isso.

Mais uma vez o jovem foi surpreendido. Quem pagaria a um desconhecido para ajudar e guiar o jovem em sua caminhada? 

O Caminho do ViajanteWhere stories live. Discover now