Capítulo 8

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A perseguição estava acirrada, Alef não sabia o motivo da vontade destes homens de o capturar, mas talvez  seja por que ele é um peregrino em terra estranha. Porém, se quisessem mesmo o pegar, não teriam feito antes na cidade? O jovem rapaz se lembrou da desconfiança na casa do velho.

Acredito que já está na hora de ouvir a voz que ecoa dentro de si.

A cada longo passo do viajante, mais cabeças viravam para ver o que estava acontecendo. Baús eram derrubados a cada corrida de desespero e anseio por uma escapatória. As alturas é uma boa alternativa, entretanto, onde está a passagem ou o objeto ideal para alcançar os telhados? Tudo parecia desfavorável no momento, parecia que tudo estava o impedindo de subir. Nestas horas, a lógica não é uma boa aliada, pois demanda tempo e tempo é algo que o jovem não tinha no momento. Três homens o seguia ferozmente, como um predador em busca de sua refeição. O olhar dos que o perseguia era de diversão, pois isso não era uma novidade para eles.

Após diversas tentativas de escapar, Alef se encontrou num beco sem saída. Ele sabia que agora não havia escapatória.

— Chega de fugir, estrangeiro!

— Se não se entregar por bem, será levado a força, pedaço de escória! — exclamou um de seus perseguidores.

Os homens se aproximavam lentamente, mas com seu pavio curto, o jovem Arvid os enfrentou, jogando sua mochila nos indivíduos  para achar uma brecha e sair. No entanto, o viajante falhou. O terceiro sujeito o acertou na face quando Alef tentou correr por entre eles.

Ao ter suas costas encostadas no chão, sangue escorria de sua boca. O jovem se afastava e quando um dos perseguidores se aproximou para o pegar, os pés do viajante não ficaram parados, eles acertaram as pernas do segundo homem, o derrubando no chão.

 — Seu bastardo! — praguejou um dos capangas.

Os outros sujeitos não deram espaço para Alef e fecharam todas as oportunidades dele de escapar ou tentar lutar. O acertaram diversas vezes.

Ouviu-se os gemidos do peregrino conforme os golpes eram acertados nele de forma intensa para o silenciar. Quando os homens viram que o sangrento jovem não lutaria mais, o arrastaram para as docas sob o olhar dos cidadãos que preenchiam as feiras. Eles pareciam acostumados com essa cena. 

Aliás, essa cidade era pior do que Alef imaginava. Eles não só desprezavam os estrangeiros, eles os selecionavam e os capturavam. 

A visão do viajante estava embaçada, seus olhos estavam começando a inchar de forma instantânea. 
Ao chegar nas docas, o jovem Arvid foi arremessado como esterco para dentro do barco. Enquanto isso, a senhorita Califa recebia suas miseras moedas de ouro enquanto observava o peregrino com um sorriso em seu rosto.

— Obrigada pelas moedas, Alef. Sua vinda até este lugar foi muito proveitosa.

E assim se retirou a moça do barco, partindo sem olhar para trás. 

O responsável pelo barco, o capitão, se aproximou do viajante e agachou-se para observar a condição do jovem.

— Você servirá, pena que está magro. Talvez uma ou duas semanas será útil.

— Para onde está me levando? — perguntou Alef com sua face contraída.

— Para um lugar onde possa trabalhar. A partir de hoje, você é um escravo.

Após sua última fala, o capitão acertou Alef, e assim, tudo ficou escuro para o peregrino.


                                                                            ↞↠ 

A sensação que tenho é que já estive nesse lugar antes. Um campo aberto e gramas altas que se balançavam ao vento. A famosa Amendoeira no meio de tudo.

E para variar, lá está o jardineiro regando as raízes da árvore. Não pude deixar de me aproximar com cautela...porém, enquanto eu caminhava me lembrei de algo. Espera, por causa dele eu fui pego!

— Você! 

Meus passos eram firmes e transbordavam minha revolta.

— É amigo de Iter, né? Você e seu amiguinho não me ajudaram. Eu fui pego por homens bárbaros que querem me escravizar! Esse é o fim do meu caminho, me tornar um escravo e morrer?

O jardineiro não olhou para mim, parecia não me ouvir, ele continuava fazendo sua tarefa sem sentido!

— Você é surdo ou o que? Olha para mim quando falo com você! 

Os olhos tranquilos do jardineiro pairavam sobre mim, e isso me deixava mais irritado. Por que ainda está calmo? Devo gritar mais alto para ele perceber a situação que eu me encontro? Se eu acordar, eu posso está jogado numa vala!

— Olha para mim de verdade! Não está vendo meu desespero? Não consegue ver que eu preciso de  ajuda? Vai lá me socorrer ou peça para Iter jogar alguma luz no rosto daqueles homens e me livrar disso!

Apertei tanto as minhas mãos, que elas doíam e parecia que estavam sendo perfuradas pelos meus dedos.

— Alef, por que está com medo?

A tonalidade de sua voz era muito parecida com a de Iter, porém ambos tinham vozes diferentes. No entanto, quando olho para o jardineiro, consigo ver a forma física de Iter. É uma sensação que não pude evitar. Elas pareciam pisar em minha raiva e em meu orgulho. Balancei a minha cabeça com violência, desejando afastar essa sensação e me manter firme na realidade em que estou.

— Eu não estou com medo! Eu só quero me livrar disso.

— Está com medo sim, não pode mentir aqui. Ainda que suas palavras digam uma coisa, seu corpo diz o contrário. Bom, que tal caminhar comigo? Já está entardecendo. É um ótima hora para uma boa conversa.

O  jardineiro se virou, dando lentos passos adiante de mim. Ele vai mesmo ignorar o meu problema?
O segui tentando acalmar a minha revolta. Não quero que ele fique zombando de mim!

— Sabia que debaixo dessas terras há muitas raízes? Elas estão esperando pela amendoeira.

— De novo essa árvore? Essas plantas não podem ser independentes e crescerem sozinhas?

— Na natureza é preciso que alguém vá primeiro para garantir que está seguro. Já ouviu falar dos gnus? Eles são uma das milhares de espécies de animais que andam em bandos. Quando está em épocas de seca, seu bando segue caminho a rios e lagoas para que possam beber de suas águas. Entretanto, nessas regiões, há muitos predadores!  Um deles é o crocodilo, que espera que um desses gnus entre na água para devorar. Quando chegam diante do rio, eles precisam beber e atravessar, porém, nenhum deles quer ser o primeiro. No entanto, alguém tem que ter coragem de ir e mostrar a todos que devem arriscar e o seguir para sobreviverem. 

Os olhos do jardineiro estavam sobre o campo aberto que possuía uma bela arte em seu céu. As cores do entardecer deixavam o ambiente mais calmo e mais bonito do que outrora.

— O que quero dizer, Alef... é que se ninguém for o primeiro, quem guiará o caminho? Não são todos que possuem coragem de ir e de crescer. O medo cega muitas pessoas. Assim é esse campo, elas esperam a amendoeira dar o seu fruto e dizer que podem crescer e florescer. Esse campo por mais bonito que seja, está vazio. As cores estão além de nosso alcance, elas estão no céu. Mas e o campo? Quando irá mostrar a sua beleza?

Quando o jardineiro olhou para mim, senti que ele podia ver a minha alma e todos os meus defeitos. Não havia nada em mim que parecia oculto diante de seus olhos. E eu, não aguentei o peso de seu olhar, minha cabeça parecia pesar e então eu desejei conhecer o chão. Continuava verde e as gramas balançando com o vento.

— Esse é o caminho mais rápido e seguro para você.

— O que?

O observei curioso e espantando.

— Do que está falando?

— O barco. Ele te levará ao caminho certo. 

— Espera aí!

Mais uma vez não pude prender minha indignação.

— Está me dizendo que eu fui naquela cidade para ver gente morrer e ser pego por homens violentos para ir para um lugar "seguro"? Não vi nada de seguro nisso! Eu fui espancado!

— Confie em Iter, Alef. A sua leve e momentânea dor não se compara com o que você pode encontrar.

— Eles vão me tornar um escravo!

— Você se sente um escravo? Suas mãos podem está acorrentadas, mas sua mente está? Alef, não se esqueça de uma coisa: você não está sozinho. Confie em Iter. 

O silêncio pairou diante de nós. Eu não conseguia pronunciar palavras, pois tudo o que esse velho homem diz me arranca as palavras. Então só o observei, desejando que ele pare de acabar com meus argumentos e de tirar as minhas queixas.

— Bom, está para anoitecer. Tivemos uma boa conversa, não? Alias...você perdeu uma coisa.

Ele me guiou até a amendoeira e tirou um ramo.

— Tome, não o perca de novo. 

Ao tocar no ramo, não pude deixar de ri. O que está acontecendo com a minha vida? Perder meus avós não foi o bastante? Sofrer nunca é o bastante. Tempestade nunca é demais, fome nunca é demais, sede nunca é demais, frio nunca é demais, sentir medo nunca é demais, apanhar e ser capturado nunca é demais... 

As lágrimas queriam sair de meus olhos e me levar a um estado que odeio. Mas não farei isso na frente do jardineiro. Não, eu nunca mais farei isso.

— Obrigado.

Com a última cruzada de olhares, o jardineiro se foi. E quando ele se vai, a dura realidade aparece, me apresentando a vida miserável que tenho e me trazendo a tona uma verdade que não pode ser desprezada: Eu nasci para sofrer e a morte sempre fugirá de mim, por mais que eu me aproxime dela, ela não olhará para mim.




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