Capítulo 36 - Depressiva

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Eu sentia as lágrimas descerem por meu rosto enquanto fitava o vazio, a mente nublada. Estava passando pelo pior dia da minha vida. Os meus sonhos haviam sido esmagados e transformados em poeira no momento que havia torcido aquele pé. Uma torção idiota que me levou a uma cirurgia e dois dias no hospital. Não sabia o que era pior, a dor que sentia por ele latejar sempre, impedindo de dormir e fazer qualquer coisa sozinha, ou por ser sábado à noite, o dia da minha tão sonhada apresentação de ballet.

Eu me sentia inconsolável. Nada me animava, ou qualquer tentativa positiva para me tirar daquele momento de depressão surtia efeito. Pois eu sabia que nada que todos dissessem iria mascarar a verdade por trás daquele machucado. A lesão era grave, minha cirurgia foi delicada e durou horas. Iria ser um bom tempo para melhorar e uma sessão de fisioterapia pela frente. Mas o pior, era saber que eu tinha muitas chances de ficar com sequelas. Sequelas que ditava o fim da linha para minha carreira de ballet.

Mordi o lábio, controlando um soluço e deslizei com muito cuidado para que ficasse deitada na cama.

- Ai – resmunguei quando um movimento a mais fez um pequeno impacto no meu tornozelo enfaixado, dentro de uma bota ortopédica.

Tentei arrumar uma posição mais confortável, mas era difícil. As minhas costas doíam por ficar sempre na mesma posição por causa do pé, a minha cabeça doía pela noite mal dormida. Estava morrendo de sede, mas não quis chamar ninguém. Eu estava dando muito trabalho para me locomoverem pela casa, e as muletas que papai comprou fazia meus olhos queimarem em lágrimas, pois foi o que sobrou para mim no final de tudo isso.

Anos dedicando a coisa que eu mais amava na vida, dançar no embalo das músicas clássicas e melódicas do ballet. Eu lembrava o dia que assisti Billy Elliot e o modo como fiquei fascinada com os passos e os movimentos que o personagem principal tinha enquanto dançava os passos de ballet numa época quando a sociedade era muito preconceituosa por ele ser um garoto.

Naquela época, eu tinha sete para oito anos e foi ali, naquele momento, que eu decidi o que eu queria para a minha vida.

Algo dentro de mim gritava e dizia que eu iria conseguir chegar a fazer os mesmos passos que o personagem daquele filme. E quando minha mãe comprou os meus primeiros assessórios e roupas, foi o melhor dia que eu já tive. O sorriso era enorme em meu rosto quando vesti o collant, a saia, a meia calça e as sapatinhas e entrava dentro da sala para ter a minha primeira aula. E depois daquele dia, eu fui desabrochando num talento que minha professora tinha orgulho.

Eu tinha orgulho do que eu fazia, me dedicava com afinco e amor para chegar um dia a me apresentar para um público grande, um recital onde mostraria do que eu tinha vindo ao mundo para ser. Eu queria que todos vissem o que eu tinha a oferecer em minha dança na ponta dos pés. Sonhei ser a melhor bailarina do mundo e me apresentar no Teatro Bolshoi, mas agora...

Minha chance de seguir a carreira havia escapado por minhas mãos e entregado de bandeja a outra candidata.

Não culpava Mikoto por ela ter posto Karin em meu lugar. Sabia que era uma excelente bailarina e pelo incrível que pareça, ela sabia todos os passos de Odete.

Mikoto teve a delicadeza de me comunicar, sentia que media as palavras para me dar a notícia de que a apresentação teria que continuar sem mim. E mesmo sentindo que cada pedaço dentro de mim se quebrava por dentro, eu me mantive forte o tempo que ela me dizia ontem à tarde depois que cheguei do hospital. Não queria que Mikoto ficasse muito preocupada comigo, mas depois que ela saiu e fechou a porta, eu chorei baixinho, a tristeza consumindo cada célula do meu corpo.

E não era diferente de agora. A dor era grande por saber que ela estava fazendo o seu trabalho, orientando todos para a apresentação que seria em poucas horas, e eu estava aqui.

Garoto ErradoOnde histórias criam vida. Descubra agora