Deixar ir

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O andar de seu escritório era um lugar tão bonito, ele se pegou pensando, deitado no chão em meio ao que restou do lugar enquanto dramatizava sobre a situação precária de seu estado de saúde, porque sentia que precisava fazer isso para continuar garantindo os cuidados de sua salvadora.

Uyara com certeza estava ciente de como ele não estava sendo sincero sobre a sua sofrida miséria, mas sempre respondia ficando ainda mais aflita quando havia uma queixa. Talvez quisesse deixar o alfa satisfeito com a existencia dessa falsa preocupação vindo dela, então só entrava no jogo.

Os dois decidiram mentir para si naqueles poucos minutos e agir como se estivesse tudo bem. Que houvesse uma desculpa para ela toca-lo era apenas ainda mais perfeito, mesmo que fosse para arrancar quaisquer indícios de cacos de vidro que dificultariam a sua regeneração.

Só havia uma coisa que o incomodava terrivelmente nesse momento. Amaldiçoados sejam os seus ótimos sentidos, mas a primeira coisa que viu quando colocou os olhos nela, depois de todo o contexto da confusão, foi que seu pescoço estava perfeitamente limpo, livre de qualquer marca ou cicatriz.

O que em tese era ótimo, porque impulsionava o seu instinto de marca-la completamente, mas o fazia querer morrer quando lembrava que aquela coisa horrorosa de antes já era a sua marca.

Satoru não sabia o que fazer sobre isso.

Estava tentando não existir na maior parte dos intervalos entre seus choramingos, certo de que ela perceberia o que estava fazendo em algum momento e com quem. Ao mesmo tempo que desejava que a ômega simplesmente fosse embora logo para acabar com a sua ansiedade.

- Por que o Toji ainda não te marcou? - A pergunta veio em sua mente, porém seus olhos se arregalaram comicamente quando ela o olhou assustada e isso o fez perceber que havia dito em voz alta.

- Eeehh? - Se não estivesse se sentindo repentinamente tão acuado, teria achado hilário a forma com que o horror tomou as suas feições. - E por que eu deixaria ele fazer algo assim?

- Bom... vocês parecem ser próximos... - A afirmação não era baseada em todo o material que reuniu sobre a vida dela nos últimos dias, claro. Ele nunca faria algo assim. Com certeza. Claro que não. - Já agem como um bando. - Porque ele se recusava a dizer família. - Os filhos dele te vem como uma figura materna e pelo visto nós não estamos mais ligados, então não sei porque ainda estão esperando.

A forma com que a ômega o olhava lhe dizia que ela estava insultando a sua inteligência agora mesmo, mentalmente.

- Toji me acolheu no bando dele a pouco tempo, quando consegui voltar. - Ela desviou os olhos enquanto falava, com um pequeno sorriso formando em seu rosto. - Quando eu o conheci, achei havia mantido contato comigo apenas para ter a certeza que eu pagaria por tudo que devia, mas ele continuou por perto mesmo depois, me orientando e protegendo. - Suas íris obsidianas se voltaram para o alfa. - Não posso negar que temos uma boa relação e algum companheirismo, mas nunca foi sobre isso.

Havia uma parte petulante no Gojo que queria fazer beicinho como uma criança teimosa e negar, instinto sobre saber mais do que ela estava lhe contando. Estava certo de que não parecia coerente que o Fushiguro permitisse que sua parceira se relacionasse com outras pessoas, como ela em teoria faz, mas não conseguia encontrar outra desculpa para a sua rejeição. Se o homem também fosse adepto da não monogamia, com certeza não iria julga-lo.

- Então há outro? - Sua cabeça se inclinou em duvida, como se não entendesse do que ele estava falando. - Outro alfa. Ou beta. Ômega? Eu suponho que os ômegas se interessariam pela sua personalidade também já que ..-

Ela o interrompeu literalmente calando a sua boca com a mão. Seu alfa repentinamente ficou absurdamente feliz com o contato tão próximo e isso o forçou ao extremo para se conter, em uma tentativa de fazer com que Uyara não o achasse ainda mais estupido.

- Havia uma reivindicação muito obvia em mim até pouco tempo. - O quão chateada ela parecia com isso partiu seu coração e Satoru sentiu o pobre lobo murchando por dentro. - Eu nunca tive interesse em outro parceiro.

Houve a gentileza de liberar seus lábios para que pudesse falar de novo.

- Tenho certeza de que candidatos não faltam. - Ele estava colocando palavras para fora apenas porque repentinamente o silencio parecia insuportável. - Há Suguru, por exemplo. É um bom amigo e um bom alfa na maior parte do tempo, eu poderia falar bem de você se quiser! Embora ele provavelmente já tenha uma opinião bem solida sobre os motivos pela qual você seria uma boa parceira...

Ainda não gostava de lembrar disso.

Kioku piscou lentamente. Como se tentasse absorver a informação.

Seus olhos nitidamente ficaram úmidos.

O Gojo não sabia que sua generosidade poderia ser tão emocionante, ele tentou registrar um tapinha nas costas mental, mas não conseguia sentir nenhum orgulho disso.

- Tem razão. - Ela suspirou, estranhamente como se realmente lhe faltasse ar repentinamente. - O Suguru é um bom alfa. - Repetiu quase vagamente, dava para ver que concordava com essas palavras, mas não havia nenhum calor por trás dela. - Você quer mesmo que eu tenha outro companheiro?

Se alguém os encontrasse agora, seria aterrorizado pela sensação de que havia uma tempestade de neve acontecendo.

Foda-se. Satoru nunca deixou de ser particularmente egoísta com seus interesses, pode ter certeza de que não começaria agora.

- Não. - Mas o medo de aborrece-la o envergonhou e ele desviou o olhar. - Quer dizer, eu deixaria você ser ir se quisesse... Não interferiria. - Suas palavras saíram tão pequenas quanto ele se sentia, porém isso fez com que seu cenho se franzisse. De que porra ele estava falando? É obvio que interferiria, ele é a porra do Gojo Satoru e não um covarde de merda.

Seu corpo se impulsionou para frente e ele se sentou agilmente, se aproximando dela como um predador e a encarando com toda a intensidade dos seus olhos azuis radioativos. Uyara não se intimidou, exatamente como sabia que ela não faria.

Estava pronto para negar tudo o que havia dito e começar a listar os motivos pela qual ainda merecia que ela fosse sua, mas a ômega começou a falar primeiro.

- E foi por isso que a marca sumiu? - A ômega o enfrentou, também agindo como um predador e demonstrando uma raiva anormalmente pouco contida. - Porque depois de todos esses anos você decidiu que me deixaria ir.

Isso despertou uma interrogação enorme em sua mente. Do que ela estava falando? Como isso era culpa sua?

- Eu nunca quis que você fosse embora! - Exclamou exasperado. - Mas você nunca voltou mesmo podendo. - Seus olhos perigosos analisaram a expressão dela, vendo traços de indignação aparecendo, então desviou seu foco, quase tentando demonstrar alguma submissão. - E suportar a ideia de que você não queria estar ao meu lado talvez tenha sido um pouquinho mais difícil do que todo esse tempo longe.

O Gojo perdeu a forma com que o corpo dela relaxou, abandonando seus resquícios de estresse.

- Satoru... - Ela grunhiu, arrepiada pelo frio. - Ei..., olhe para mim. - Suas mãos geladas tomaram o seu rosto e o ergueram de volta, enquanto a ômega aproximava seu proprio corpo lentamente.

Ele olhou para aquela imensidão escura que eram os seus olhos e tremeu levemente com o carinho ali. O cheiro de biscoitos de limão o encantou em seguida e fez com que o correspondesse hesitantemente.

- Estou olhando.

Que a sua garganta estivesse seca e seu estômago embrulhasse, ela não precisava saber.

- Foi você quem me mandou não voltar. - Uyara disse, com um sorriso doloroso se formando em seus lábios e com pequenas lágrimas começando a escorrer. - Nunca foi a minha escolha.

- O que?

Sua respiração falhou por um momento, vindo de volta em longas inspiradas. Com sua mente revirando cada instante de sua vida em poucos segundos, procurando por qualquer resquícios de um momento em que poderia ter chegado perto de fazer algo tão absurdo.

- Eu não o culpo por não se lembrar, considerando como essa semana foi um inferno. - Vendo que não havia qualquer resistência ou bloqueio, ela continuou se aproximando devagarinho, até conseguir se aninhar contra seu peito com um baixo ronronar. - Foi quando quebramos a minha parte do vínculo...

Seu lobo explodiu de volta em ronrons pouco contidos e suas mãos se levantaram rapidamente para envolve-la e mantê-la presa ali. Se dependesse de si, nunca mais soltaria! Mesmo que estivesse doendo. Maldito Sukuna.

O animal contente dentro de si se sentiu seguro naquele lugar, o suficiente para compartilhar um pouco do que guardava sobre a ocasião em específico.



Jujutsu Kaisen - InadequadaWhere stories live. Discover now