sr. pascal

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O sol da tarde invade o interior da sala comum em linhas diagonais, criando sombras dançantes pelo espaço e uma sensação de conforto parece dissipar, mesmo que por ora, toda a raiva que se instala dentro de ti. O amontoado de correspondências espalhadas pela mesa de jantar fazem sua cabeça latejar em dor, ainda mais quando finaliza a última conferência. É mesmo uma tristeza, pois você tem exatamente cento e cinco reais para passar o mês, caso não pague a conta de telefone.

— O quão ruim é a situação? — indaga Cecy, sua melhor amiga e colega de apartamento.

— Sabe quando o ruim não é mais capaz de descrever? Nesse nível.

Trajando uma camisa amassada das Tartarugas Ninjas, Cecy usa uma caneta para enrolar os longos cachos e prendê-los em um coque desajeitado, e lentamente, caminha em sua direção, analisando a sua vida financeira minuciosamente.

— Realmente, uma merda — e ao sentar, abre a garrafa de café e serve mais uma dose para vocês — posso te emprestar alguma coisa se você precisar, amiga.

— Vou ficar bem — isso é apenas uma afirmação para que você possa, eventualmente, acreditar nas próprias palavras — e vou dar um jeito de conseguir um extra no fim de semana. A internet está cheia desse tipo de coisa, só preciso pesquisar.

A caneta gira entre seus dedos ao tempo que você começa uma pesquisa inocente, sua melhor amiga, agora com uma batata doce em mãos, senta ao seu lado para dar auxílio. Existem diversas vagas indo de digitador home office, tradução de vídeos, design gráfico, mídias sociais, sites duvidosos com propostas boas demais para serem verdadeiras. Um bom tempo é gasto nas pesquisas, seus dedos doem de tanto listar prós e contras — pois, assim como os Maias e os Incas, você só consegue se concentrar verdadeiramente se escrever em um papel — e Cecy precisou fazer mais café.

— O mais confiável até agora é digitador online e tradução, mas essa coisa de "trabalhe apenas duas horas por dia e receba até cinco mil reais" não parece verídico, mas o site de Sugar Daddy parece uma boa — a morena está com todo o peso apoiado apenas em uma perna enquanto a outra está dobrada, formando um quatro perfeitamente equilibrado.

— Eu tenho pós-graduação em Salve Jorge, mulher! Eles vão vender meus órgãos ou me transformar em uma puta no Oriente Médio. Mas tá foda ser pobre nesse país, dependendo do velho...

— Você poderia participar daquelas lives que estão na moda, bonita do jeito que é consegue fácil.

Esse é o momento em que suas sobrancelhas franzem e uma careta se forma. A opção é tão absurda que parte de ti cogita a ideia de Cecília estar apenas caçoando. Ela vira para te encarar, encontrando uma incredulidade imensa.

— O quê?

— Prefiro virar puta no Oriente Médio.

— Jura? Mas amiga a live é super simples, você só precisa ficar bonita em frente a câmera imitando um npc de jogo.

Você se levanta e arruma a mesa para o verdadeiro café da tarde, pegando o leite e a manteiga na geladeira. Como Cecília toma apenas leite de aveia, você o procura no fundo da geladeira, a quantidade de marmitas ali dentro faz seu trabalho ser miserável.

— Imagina o mico? Quando chegar a época de zoação na escola todo mundo vai dizer "E a mãe do Junin que fazia live de npc na internet?".

— Junin? Não tinha um nome pior? — ela ri apesar de tudo, e mais uma vez, vocês sentam lado a lado na mesa.

— É apenas uma ilustração, Cecy.

BE MY MISTAKE | PEDRO PASCALWhere stories live. Discover now