INTERROMPIDO - Spin-off de CORROMPIDO

26. Gratidão e Vulnerabilidade

Na quinta-feira, a dinâmica passada por Rafael se chamava "troca de gratidão". Para alívio de, provavelmente, todos do grupo, ela seria realizada em duplas.

A explicação de Rafa foi simples e bem fácil de entender. Cada integrante deveria compartilhar três ou quatro coisas que são gratos para sua dupla. Segundo Rafa, é sempre bom ver o lado positivo das coisas, principalmente após situações traumatizantes.

Sim, foi ele mesmo quem disse isso. Quem o visse anos atrás, com certeza, não o reconheceria nos dias atuais. Rafa era tão negativo, pessimista, depressivo... E agora ele nos serve de inspiração para que possamos acreditar em uma vida melhor.

É, Henrique... Quem é o negativo, pessimista e depressivo agora?

— Ah, que bom que hoje é em dupla — Ícaro virou sua cadeira para que ficasse de frente com a minha, tomando cuidado para não derrubar nossos cafés.

— Troca de gratidão... — levantei meu copo de café, como na figurinha que Ícaro havia me enviado por mensagem outro dia. — Ícaro... Sou grato por ter me apresentado esse café maravilhoso com chocolate branco e framboesa — empinei o nariz e depois fiz uma leve reverência.

Isso acabou tirando uma risada espontânea de Ícaro, que se curvou para frente, segurando sua barriga. Sorri com aquela cena.

— Fico feliz de fazer parte da sua lista de gratidão — ele limpou as os cantos dos olhos, se contendo ao máximo para parar de rir. — Sou grato por você me fazer rir. — ele sorriu e eu, sem saber o que fazer, peguei meu copo e tomei cinco grandes goles do meu café, sentindo minhas bochechas esquentarem. De onde tinha vindo aquilo? Foi tão... Repentino. — Ok, vamos fazer isso com seriedade — suas mãos se entrelaçaram em cima do próprio colo.

— Certo — o encarei, semicerrando os olhos, mas segurando a risada. — Bom, então me diga... A que você é grato, Ícaro?

Ele demorou um pouco para responder. O sorriso sumiu de seu rosto e seus olhos foram de meu rosto para suas mãos.

— Sou grato aos meus pais. Sem eles, eu com certeza não estaria aqui hoje — ele suspirou. Era estranho e incômodo vê-lo tão vulnerável daquele jeito. — Sua vez.

O olhar dele voltou a fitar meu rosto, o que me fez tomar coragem de falar. Mas a questão era... O que eu diria?

Eu era grato a que?

— Ahm, eu sou grato por... — bati as pontas dos dedos em minha coxa, tentando acelerar meus pensamentos, até Rafa entrar no meu campo de visão. — Já sei. Eu sou muito grato por ter conhecido o Rafa e o Noah — sorri e voltei meu olhar para Ícaro.

— Noah é o marido do doutor Lins?

— Isso — sorri porque eu realmente era muito grato por tê-los na minha vida. Aqueles dois são muito mais do que apenas meus melhores amigos. — Sua vez.

— Acho que, de certa forma, posso dizer que sou grato por estar vivo — ele abaixou novamente o rosto, me deixando chateado.

Por que ele sempre desviava seu olhar do meu quando ficava vulnerável? Ícaro não se sentia confortável compartilhando aqueles fatos comigo? Ele não confiava em mim?

— Eu... — optei por também desviar meus olhos dos de Ícaro. Não estava mais conseguindo me sentir seguro com ele, já que sempre evitava me olhar quando ficava vulnerável.

— Meninos? Está tudo certo aqui? — Rafa me interrompeu, colocando a mão em meu ombro e alternando seu olhar entre Ícaro e eu.

— Sim — suspiro. — Só é difícil procurar gratidão numa vida que só te destruiu — senti o peso de minhas palavras assim que as sobrancelhas de Rafa se curvaram e seus olhos se fixaram nos meus. — Meu Deus, me desculpa — pedi porque agora eu me xingava mentalmente por dizer aquele tipo de coisa na frente de Ícaro.