Capítulo 2

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Quando meus olhos se abrem, o quarto está quase escuro, iluminado somente pela luz da lua, e Olívia dorme pacificamente ao meu lado com os lábios entreabertos e o rosto voltado para o teto.
 
Sem querer me mover, aproveito o momento para admirá-la. Estamos tão próximas que mesmo na quase penumbra posso facilmente contar as pequenas sardas espalhadas em seu rosto lindo; posso ver seus detalhes de perto, posso contemplar suas imperfeições tão perfeitas e me apaixonar um pouco mais por elas.
 
O nariz de Oli possui uma ligeira curvinha que não chega a formar um monte, mas também não é totalmente reto. Em qualquer outra pessoa aquilo seria irrelevante, mas nela... parece o nariz de uma musa renascentista esculpida em mármore. Ela tem aqueles cílios longos e ruivos, bochechas pintadinhas e coradas, uma curva sutil e carnuda nos lábios...
 
Uma vez, há pouco mais de um ano, peguei Olívia entrando em casa com uma garota de pele caramelo e cabelos cacheados como os meus, ambas sorrindo e indo para o quarto dela como se fossem íntimas. Nossos pais estavam no plantão naquela tarde e eu havia chegado mais cedo da faculdade. Estava voltando da lavanderia quando vi as duas subindo as escadas. Lembro-me de estacar no meio do caminho, atônita, e pensar duas coisas naquele momento: "Caramba, Olívia vai transar" e logo em seguida "Meu Deus, Olívia não pode gostar de mulheres."
 
Acho que uma parte de mim já havia visto algo nela que espelhava um pedaço de meu próprio interior. Como se reconhecesse que do outro lado daquela ponte invisível habitava alguém como eu — uma alma tão colorida quanto a minha. E ter aquilo tão perto, ao alcance de meus olhos e meus dedos...
 
Não sei dizer o exato momento em que minha perspectiva a respeito de nosso relacionamento mudou, mas naquele momento eu quis ser a mulher que estava levando a Olívia sorridente para seu quarto. Senti ciúmes e inveja e, lá no fundo, esperança. Uma esperança tola e errada, mas eu sou humana e cometer tolices e erros está tão impresso em meu DNA quanto a pintinha marrom que habita o meio das minhas costas.
 
E agora era incapaz de lembrar como era minha vida antes de conhecê-la.
 
De repente, Olívia vira a cabeça para mim e meu coração acelera pelo susto. Ela me pega encarando-a tão descaradamente e estreita os lindos olhos azuis para os meus. Então os lábios corados em formato de pétala inclinam-se para cima e um sorriso deslumbrante toma seu rosto. As covinhas fofas aparecem em suas bochechas e meu corpo inteiro derrete e aquece.
 
— Você estava olhando para mim? — Sua voz fina soa sonolenta e acusatória ao mesmo tempo.
 
— Você é tão bonita. — Sorrio de volta. Não sei porque eu digo isso, mas sai antes que eu possa impedir e, honestamente, não me arrependo.
 
Meu coração está acelerado. Minha respiração engata e todo meu corpo entra em pane no momento em que sinto os dedos de Olívia procurando pelos meus. Ela se vira de frente para mim e, delicada como uma flor, desliza as unhas compridas pela minha palma até entrelaçar nossos dedos.
 
— Você se sente culpada por ter sido pega no flagra? — Questiona ela.
 
Acaricio sua têmpora com a ponta dos dedos, observando seus poros dilatarem em inúmeros arrepios quando entram em contato com minha pele.
 
— Me sinto culpada por não olhar mais vezes pra você.
 
O sorriso de Olívia é substituído por uma expressão... como eu posso chamar? Apreciativa? Sem fôlego? Encantada?
 
— Hellen. — Sussurra ela, aproximando-se de meu rosto e esfregando a pontinha de seu nariz no meu.
 
Fecho os olhos e engulo em seco. Meu coração dói diante do sentimento crescente e irrefreável que o toma e o faz crescer. Olívia desliza a mão suavemente por meu pescoço e mantém o nariz ali, colado ao meu, misturando nossas respirações. Nossos corpos são moldados um ao outro e sinto o atrito de seus mamilos pressionando meu peito, roubando meu fôlego.
 
Acho que vou morrer. Acho que vou para o céu. Mas o céu não tem Olívia porque nós somos pecadoras e o lugar de pecadores não é ao lado dos virtuosos. Vou sair do céu. Não quero paz se não tiver Olívia. Quero arder por ela. Quero arder com ela.
 
Sinto que estou prestes a me tornar uma chama viva quando Olívia desliza o nariz em direção à minha bochecha. Ela me inspira e eu a inspiro. Ela suspira e eu engulo. O desejo em meu corpo fica insuportavelmente maior que o comum. Parece mais do que eu posso lidar e, ainda assim, tento me manter quieta. Olívia está me inspirando, roçando seu corpo levemente ao meu. Não quero assustá-la. Quero que ela me inspire. Quero que deslize as mãos por meus cabelos. Quero que ela me beije. Quero que Olívia me obrigue a devolver seu vestido e me faça tirá-lo para ela. Quero que ela admire minha nudez. Quero que me deixe venerar a dela.
 
Quero tanto que o querer me consome e mal noto o momento em que seus lábios roçam os meus. É tão suave, tão leve, tão maravilhoso e tão Olívia que deixo escapar um suspiro sobre sua boca deliciosa.
 
Isso é tão errado, tão errado, tão errado, mas não dou a mínima. Os lábios de Olívia estão finalmente nos meus e o mundo pode acabar em labaredas de ácido sulfúrico até onde me importo.
 
Ergo uma mão e massageio a cintura de Olívia. Deslizo a ponta dos dedos pela pele exposta de sua barriga, sentindo seu corpo arquear para mim. Ela está toda arrepiada. Olívia não deveria reagir tão bem à mim. Eu preciso alertá-la. Preciso dizer as coisas inomináveis que quero fazer com ela. Preciso deixar claro que isso significa mais para mim do que meu carro, meu MacBook ou meu travesseiro idiota.
 
Na verdade, vou dar tudo pra ela. Não quero nada que Olívia não tenha.
 
Estou pensando em dizer exatamente isso quando alguém esmurra a porta do meu quarto com uma sessão de batidas. 
 
— Hellen?
 
Olívia e eu nos afastamos ao mesmo tempo. Estou ofegante e ela também. Olhamos uma para a outra, atônitas, antes de Olívia pegar Douglas e ficar de pé, corada e sem jeito.
 
— E-eu...
 
— Tudo bem. — Tranquilizo Oli. Então, mais alto, grito para a alma cruel que nos interrompeu: — Sim?
 
— Chegamos, querida. — Diz a voz de meu pai.
 
Eu o amo, mas naquele momento quero muito estrangulá-lo.
 
— Certo, pai.
 
Ouço quando ele dá um soquinho na porta e se afasta.
 
— Acho melhor eu... — Olívia parece deslocada. Parece ter acabado de acordar de um sonho constrangedor. Como se ter nossos pais em casa tirasse dela toda sua ousadia recém-descoberta.
 
Quero expulsá-los de casa e puxá-la de volta para minha cama. Mas não faço isso.
 
— Tudo bem, Oli — digo. — Pode ir.
 
Olívia assente e sai com Douglas embalado em seus braços.
 
Quando a porta se fecha, me jogo de volta na cama e suspiro para Saturno.
 
O que estávamos fazendo?

Meu Pecado Fraternal - Conto rápidoOnde histórias criam vida. Descubra agora