Capítulo 3

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Ruth sorri quando desço as escadas na manhã seguinte. Estou descalça e ainda enfiada em meu pijama de guaxinim. Meu cabelo é uma massa de cachos amassados e cheio de nós que, como de costume, não me importei de pentear antes do café-da-manhã.
 
— Bom dia, Hellen.
 
— Bom dia. — Bocejo e me sento à mesa.
 
Olívia ainda não desceu, mas estou com sono demais para perguntar sobre ela e preciso sair antes das 08:00 para a aula de anatomia. Meu pai me cumprimenta com um beijo na bochecha e volta a ler as notícias em seu iPad.
 
Ruth coloca café em uma xícara e me entrega antes de voltar para suas panquecas.
 
— Olívia me disse que vocês vão para um evento da faculdade esse fim de semana.
 
Assinto vagamente e dou um gole no café. Não quero bater papo ainda.
 
— Jogos da Atlética.
 
Ruth dá uma mordida em sua panqueca e engole.
 
— E é seguro para ela frequentar as festas de outro curso?
 
Corto um pedaço de bolo e o coloco na boca. Meu estoque de palavras matinais já se esgotou e eu realmente não quero bater papo, mas seria mal-educada em não responder minha madrasta.
 
— Não é só uma festa. É a final dos jogos. Psicologia e medicina vão disputar o título da faculdade. O melhor time vence. O máximo que pode acontecer é uma saudável e necessária briga de torcida.
 
— Hellen. — Repreende meu pai, sem desviar os olhos do jornal digital.
 
Ruth suspira. Parece insatisfeita.
 
— Se Olívia não fosse tão teimosa vocês duas poderiam torcer para o mesmo time. — Ela olha para meu pai. — Duas irmãs seguindo a mesma carreira dos pais. Acho que é meu maior sonho nesse momento.
 
Paro de mastigar e olho fixamente para Ruth. Irmãs. Lembro-me da noite anterior e sinto o bolo de cenoura tornar-se um punhado de cascas de árvore em minha garganta. Estou entalada. Quero gritar que Olívia e eu não somos irmãs. Não temos laços de irmãs. Não nos vemos como irmãs. Não queremos ser irmãs.
 
Mas tudo o que faço é engolir um grande gole de café para empurrar o bolo garganta adentro e dizer, mais ríspida do que pretendia:
 
— Acho que Olívia sabe o que é melhor pra ela.
 
Ruth se vira para mim e estreita os olhos.
 
— Olívia é uma criança...
 
— Ela tem dezenove anos, amor. — Interrompe meu pai, ainda lendo suas notícias.
 
Ruth fica vermelha.
 
— Isso não faz diferença, Otávio. Eu sou a mãe dela. Quero o melhor pra minha filha assim como você quer o melhor para a sua.
 
Interessante. Sinto raiva e quero usar a oportunidade para apontar algumas verdades necessárias, mas ouço os passos de Olívia e me calo instantaneamente.
 
Ela desce as escadas vestida em uma camisola curta onde a frase "Ovelha Negra da família" destaca-se em meio ao tecido de algodão. A raiva em meu peito se esvai num piscar de olhos e tenho vontade de rir no mesmo instante.
 
— Essa é a maior mentira do século. — Comento, deslizando os olhos por seu corpo esguio.
 
Olívia cora e se senta à mesa. Pela cara inchada, acabou de acordar – o que é estranho, pois ela sempre acorda antes de mim.
 
— Comprei pela Internet. — Diz.
 
Encantada, observo seus movimentos enquanto ela coloca café em uma xícara.
 
— Não vai pra faculdade hoje?
 
Ruth não parece feliz com minha pergunta. Entretanto, não diz nada.
 
Olívia assente.
 
— Vou, só que mais tarde. A primeira aula foi cancelada.
 
— Se quiser, posso vir buscar você antes da segunda aula. — Ofereço.
 
Ela nega.
 
— Meus colegas vão passar aqui. Não se preocupe comigo.
 
Concordo, porque, o que eu posso fazer?
 
Termino meu café e me despeço de minha pseudofamília, subindo as escadas para me arrumar. Quando volto para a sala já devidamente vestida e decente para minha aula de anatomia, todos eles já se foram.

Meu Pecado Fraternal - Conto rápidoDonde viven las historias. Descúbrelo ahora