Capítulo 4

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No sábado, bato na porta do quarto de Olívia por volta das 19:00. Deveríamos ter saído há quase meia hora.
 
— Oli?
 
Espero, mas ela não abre. Confusa, bato na porta outra vez e grito:
 
— Oli, estamos atrasadas!
 
Nada.
 
Será que ela saiu sem mim? Ultimamente, Olívia tem andado tão ausente que a chance de ela ter ido para os jogos da Atlética sem me esperar são de noventa e oito por cento. Não entendo porque ela tem me evitado desde aquela tarde em meu quarto, mas compreendo que não devo ser invasiva e obrigá-la a lidar com tudo de uma vez.
 
O problema, é que sinto falta dela. Sinto falta de tê-la disponível a qualquer momento para conversar, para sair, para fazermos uma grande quantidade de nada juntas. Às vezes (o tempo todo) me pego pensando em nosso beijo. Em seu corpo tão perto do meu. Sonhei com ela uma quantidade indecente de vezes nos últimos dias. Sua imagem corrompe minha mente o dia todo. Acho que vou enlouquecer se não vê-la logo. Acho que sou capaz de matar para tê-la. Acho que é isso que as pessoas sentem quando estão apaixonadas.
 
Acho (sei) que a amo.
 
E depois da tarde em meu quarto, desejo que Olívia me ame também. Desejo que sinta por mim ao menos meio por cento do que sinto por ela. E, se não sentir, desejo que me deixe amá-la por nós duas.
 
Qualquer coisa é melhor que não tê-la de jeito nenhum.
 
Cansada de esperar, abro a porta do quarto de Olívia e avanço pelo cômodo. A cama está uma bagunça de roupas espalhadas e a porta do banheiro está aberta. Ouço o barulho do chuveiro ligado e pondero por meio segundo antes de decidir ir até ela.
 
Coloco a cabeça para dentro do banheiro.
 
— Olívia?
 
O box está embaçado, mas vejo sua silhueta. Ela está sentada no chão. A cabeça está entre os joelhos.
 
Quando Olívia não responde, sou movida pelo impulso e entro no banheiro de uma vez. Abro a porta do box e, ao olhar para baixo, confirmo minha teoria: Ela está encolhida no canto, os cabelos ruivos molhados e grudados em seu corpo pálido, enquanto chora copiosamente debaixo do chuveiro aberto.
 
— Oli... — Arranco os tênis e entro no box ainda usando o par de meias três quartos com as cores do curso de medicina. Minha saia xadrez fica ensopada, bem como minha camiseta e suspensórios. Quando fico de joelhos na frente de Olívia, todo meu uniforme da Atlética está arruinado, mas aquela é minha última preocupação no momento. Apoio uma mão hesitante sobre seu joelho desnudo. — O que... Por que está chorando?
 
Olívia ergue a cabeça e meu coração se parte. Seus olhos azuis estão vermelhos e tristes quando ela diz, aos soluços:
 
— M-minha mãe... — Uma lágrima desliza. — Desculpe Hel... N-não vou pros jogos com você.
 
Minhas sobrancelhas franzem. Estou realmente preocupada.
 
— Oli... Por que não?
 
Ela desvia o olhar. Depois, baixa a cabeça e encara o próprio colo, os lábios trêmulos.
 
— Nós discutimos. De novo. E ela disse... coisas. Acho que nunca a vi tão brava, Hel.
 
Crispo os lábios. Tenho que me esforçar pra permanecer calma. Tenho que pensar em Olívia antes de pensar em trancar a mãe dela no armário e jogar a chave no mar.
 
— O que ela disse? — Minha voz soa gélida, mas Oli sabe que não é por sua causa.
 
— Acho que foi minha culpa — responde ela, indiferente à cascata do chuveiro derramando-se em suas costas. Seus olhos também desaguam em cascatas de lágrimas, embora ela não pareça notar. — Nós entramos no assunto da minha faculdade e ela... Eu tentei explicar Hel, que amo o que faço. T-tentei dizer que quero ser como meu pai...
 
Olívia soluça. Então desata a chorar outra vez ao citar o pai e acho que entendo. Claro que entendo. Ruth ficou brava por Olívia admitir que o vê com admiração – não como o traidor egoísta que minha madrasta acredita que o pai de Oli seja. Ruth não é uma mulher ruim, mas foi uma mulher traída. Enganada. Eu não compreendo totalmente o tamanho de sua mágoa, mas vejo como ela fica quando o assunto é seu ex-marido bissexual. O homem não apenas abalou sua dignidade ao traí-la, mas aparentemente conseguiu ter mais influência sobre a filha deles do que ela: uma médica e mãe dedicada que sonhava ver o dia em que sua filha cresceria e seguiria seus passos.
 
Eu entendo mesmo o lado de Ruth.
 
Mas isso não me obriga a concordar com o modo como ela reflete a mágoa em sua filha.
 
— Não dê ouvidos à ela, Oli. — Digo, erguendo seu queixo com as duas mãos para que ela possa me olhar. Suas íris azuis me perfuram em busca de respostas e não recuo. Deixo que ela veja toda sinceridade, todo afeto e... e tudo o que há para ser visto em meu interior quando se trata dela. — Sua mãe só está frustrada. Não sei o que ela disse para te magoar...
 
— Ela disse que eu a deixo envergonhada. — Olívia fecha os olhos. — Por querer ser como meu pai. Não entendo o que há de errado nisso. E eu me sinto culpada por não fazer o que ela quer. Por não ser como ela deseja.
 
Uma raiva desmedida me atravessa. Sinto um comichão nos ossos – um impulso quase incontrolável de dirigir até o hospital onde Ruth está dando plantão e gritar algumas verdades necessárias na cara dela. Mas preciso acalmar Olívia primeiro. Preciso fazê-la entender que não há nada de errado com ela antes de resolver pessoalmente essa briga com a mulher do meu pai.
 
— Sua mãe não sabe o que diz. — Acaricio suas bochechas com os polegares e me aproximo de seu rosto para descansar meu nariz no dela, como fizemos no outro dia. Os respingos de água molham nossos rostos, formam gotículas em nossos cílios, deslizam por nossos lábios. Ela está nua e minha roupa está encharcada, grudando no corpo, mas me aproximo mesmo assim. Os olhos de Olívia estão presos nos meus quando digo: — Achei que Ruth fosse uma mulher mais sensata, mas se ela acredita mesmo que magoar você é o melhor caminho para provar um ponto, então ela não é tão inteligente assim. Seus sonhos e suas escolhas não são um erro. Você é maravilhosa, Olívia. É linda por dentro e por fora. Se posso ser honesta, para mim, você é perfeita.
 
Olívia suspira e baixa o olhar para meus lábios. Ela engole em seco.
 
— Hellen... — Sussurra meu nome como se estivesse perdida. Como se eu fosse a bússola capaz de lhe dar um norte. — Você... você gosta de mim?
 
Meu coração se expande. A água quente do chuveiro não é nada comparada ao calor que devasta meu corpo. A sensação de tê-la nua, molhada e tão vulnerável enquanto faz a pergunta mais impensável do mundo parece demais para aguentar. Se eu já não estivesse de joelhos, teria ficado naquele exato momento.
 
— Olívia — deposito um beijo na pontinha de seu nariz. Depois, um beijo em sua bochecha. Arrasto os lábios até sua orelha delicada e deposito um beijo ali também. Seu corpo inteiro fica arrepiado. — É claro que eu gosto de você.
 
Ela assente.
 
— Como irmã? — Sua voz soa triste, conformada.
 
Irmã. Eu queria ser capaz de poder fazê-la esquecer essa palavra. Não tem significado algum para nós mesmo. Acaricio sua bochecha enquanto atraio seus olhos para os meus. Quero fazê-la entender. Quero que ela veja as coisas como eu vejo.

— Irmãs não se beijam, Oli. Não desejam uma à outra. Não se apaixonam uma pela outra. Irmãs não ficam juntas debaixo de um chuveiro imaginando todas coisas indecentes que duas garotas nuas podem fazer. Porque é isso que estou fazendo agora. Estou pensando nas obscenidades que quero fazer com você. — Beijo o canto de seus lábios, fazendo-a inspirar. Talvez eu esteja falando besteira, mas as palavras parecem sair antes que eu pense muito nelas. — Eu desejo você, Olívia, e não tem nada de fraternal nisso.

Seus olhos brilham para mim como dois diamantes azuis engolindo o reflexo do sol. Suave, devagar e timidamente, os braços de Oli envolvem meu pescoço e preciso manter o equilíbrio por nós duas quando ela fica de joelhos.

No segundo seguinte, Olívia aproxima o rosto, fecha os olhos e me beija.

Meu Pecado Fraternal - Conto rápidoWhere stories live. Discover now