James (XIX)

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  Depois de quase cento e cinquenta quilómetros de viagem, dou a mão à Emily para a ajudar a sair do carro, enquanto um condutor entra para o levar para o parque de estacionamento privado. Olhamos à nossa volta e vemos alguns carros luxuosos a parar na entrada. Adultos desde os trintas a pessoas mais velhas com os seus setentas. A escolha da roupa é, maioritariamente, do estilo clássico e formal moderno, dependendo da idade da pessoa em questão, mas ninguém, inclusive eu, pensou em conjugar o vestuário com a saída como a Emily fez. Uma ideia simples, mas que ninguém pensou.
  Quando começamos a subir as escadas, a Emily coloca no ombro a sua carteira, com uma estrela preta lisa e cristais à volta, da mesma cor que a estrela, mas num tom mais brilhante. Lindíssima. A carteira e ela.
- Sinto que não pertenço a este meio. Sou diferente de todos aqui. – sussurra-me ao ouvido.
- Então vamos ser diferentes juntos. – sussurro também ao ouvido, tocando a minha mão na dela, que acabo por entrelaçar, com a sua ajuda.
  Logo na entrada, é possível ver três caminhos por onde ir. À direita fica a sala de entrada gratuita, à esquerda a sala onde se paga o bilhete normal e em frente a entrada V.I.P., na qual só se entra pagando um balúrdio de dinheiro, pois só abre quando acontece um fenómeno não muito comum que, pelos vistos, vai acontecer hoje, daí ter tantas pessoas abastadas por aqui. O que realmente sei é que paguei uma pequena fortuna para ter estes bilhetes e, só pela viagem, valeu a pena.
- James? – chama-me a Emily.
- Sim? – respondo, ainda com os pensamentos da viagem na minha cabeça.
- Vamos então para que lado?
- Temos acesso a todos, mas acho melhor começar com o piorzinho e deixamos o melhor para o fim. – proponho.
- A sério, James? – pergunta-me, com uma cara um tanto chateada.
- O quê? – questiono, sorrindo.
- Vais mesmo dizer-me que pagaste o bilhete mais caro que tinha e não me vais dizer quanto foi para te pagar?
- Eu é que te trouxe aqui! Não vais pagar nada. – digo, engrossando a voz, para mostrar que estou a falar a sério.
- Vou ficar aqui até me dizeres. – diz-me, separando as nossas mãos e fazendo beicinho com os braços cruzados.
- Estás a falar a sério?? – digo, rindo-me perdidamente.
- Estou. – responde-me, ainda de beicinho.
  Olho à volta e vejo o Guia e um casal de terceira idade a olharem para nós, então viro-me para a Emily e sussurro:
- Alinha comigo.
- O quê? – pergunta-me.
- Anda, amor. Depois tratamos disso. – digo, e vejo que ela olha logo para mim com cara de admirada. Dou-lhe o braço, que ela, delicadamente, agarra e digo num tom teatral ao Guia e ao casal que olhavam:
- Queria ser ela a pagar a saída. Hoje em dia já não podemos ser cavalheiros.
- Ele pagou o jantar antes de virmos para aqui, acho que é justo. – diz, alinhando no papel.
- Podemos começar com a nossa viagem ao universo? – pergunta-nos o Guia, com um ar entediante.
  Quando começamos a andar até à sala aberta a toda a gente, conseguimos ouvir o senhor do casal a concordar comigo e a senhora a dizer que a Emily fazia bem em querer dividir. Olhamos um para o outro e começamo-nos a rir. Agora percebo o quão bom é representar e nem é preciso esforçar-me assim tanto.
- Não ficaste ofendida por te tratar daquela forma, pois não? – pergunto, para ter a certeza.
- Óbvio que não! – tranquiliza-me, agarrando o meu braço ligeiramente mais de força.
  O Guia, como já tínhamos percebido, não é dos melhores profissionais e passa pelas imagens, expostas em grandes telas, mais rápido do que a desintegração de um pequeno asteroide na nossa atmosfera, então eu e a Emily decidimos ser um pouco rebeldes e afastarmo-nos do grupo e ver as coisas demorando o nosso tempo.
- E se nos apanharem? – pergunta a Emily.
- Se nos apanharem apanharam. O pior que pode acontecer é mandarem-nos de volta para o Guia maldisposto. – Rimo-nos.
- Ou tu pagas por baixo. – diz em tom sério. – Estou a brincar! – Rimo-nos novamente, tapando a boca um do outro para não fazermos muito barulho.
  A sala, no geral, tem uma decoração simples e as telas só mostram imagens tiradas aos planetas do sistema solar, ao sol e aos satélites naturais mais conhecidos e as informações de cada um, disponíveis até em sites na internet. O que chama realmente à atenção são umas telas maiores e com mais brilho, que fazem publicidade ao conteúdo das salas pagas. Realmente, se não se paga não se vê nada.
  Voltamos, então, para trás, passamos pela entrada e fomos barrados pelo segurança na entrada da sala do bilhete normal. Mostro os bilhetes que temos, com cuidado para não mostrar o preço à Emily, e ela dá-me um encosto de ombro, fazendo-me uma cara de zangada, mesmo sendo mais fofa do que normalmente. O segurança deixa-nos entrar e dizemos os dois, maravilhados, em coro:
- Uau! – A diferença das salas é gritante. Esta sala tem, no chão, tecnologia que mostra o universo em tempo real, através de imagens de satélites. Vê-se diferentes telescópios, espalhados pela sala, que podemos usar para observar as estrelas, e o teto tem pequenas luzes que vão acendendo, temporariamente e alternadamente, em pequenos grupos. Todos estes detalhes refletem o trabalho que foi posto para termos uma experiência superior e uma maior noção de como o universo é tão vastamente deslumbrante. Coloco os fones nos ouvidos e olho por um dos telescópios. Consigo ver os lindos tons acinzentados de Júpiter e assusto-me, quando ouço um barulho estranho parecido com um assobio abafado.
- É da atmosfera de Júpiter. – diz-me um senhor.
- Que interessante! – exclamo, um pouco envergonhado pelo meu susto.
- Se tiver alguma dúvida é só perguntar, estou ao seu dispor.
- Obrigado, assim farei. – Ao contrário do senhor da outra sala, este tem uma atitude bem mais agradável.
- Duvido que exista som mais estranho que este. – digo à Emily, que está a sair do telescópio de Saturno.
- Tenho as minhas dúvidas, o de Saturno é estranho. Nem te sei descrevê-lo.
  Trocamos de lugares e ouço o som representativo de Saturno e parece que estou numa gruta com uma enorme corrente de ar. O espaço consegue ser interessante, mas também muito estranho.
  Entrando na sala V.I.P., passamos por um corredor com o aspeto da entrada para as salas de cinema e, na sala em si, vemos várias cadeiras à volta de um centro, onde se encontra um homem, como um auditório em forma de meia lua.
  Sentamo-nos todos em cadeiras aleatórias, nós na penúltima fila, mais distante do centro, do lado direito.
  Durante os primeiros longos minutos, o senhor fala da história do planetário e lança questões filosóficas pelo meio. Como estava a ficar chato, eu e a Emily íamos respondendo um ao outro, discutindo os pontos de vista sobre os assuntos, até que o senhor começa a mostrar diferentes constelações.
- Apostas? – pergunta-me.
- O quê? – questiono, confuso.
- Apostamos algo e paga quem errar primeiro o nome das constelações.
- Sabes que sou bom nisso, não sabes?
- Isso é o que vamos ver. – afirma. – Se perderes, tens de participar no teatro.
- Muito bem. Mas se tu perderes, não falas mais no teatro.
- Combinado! – diz-me, dando um aperto de mão.
O senhor passa para outra constelação e dizemos ao mesmo tempo:
- Cassiopeia! – Rimo-nos.
- É uma constelação do hemisfério celestial norte. O seu nome é Cassiopeia.
Passa para outra e, novamente, ao mesmo tempo dizemos:
- Pegasus!
- Assim não tem piada! – diz a Emily, fazendo beicinho.
- Eu vou fazer de tudo para ganhar. – digo, encolhendo os ombros.
- É uma constelação do hemisfério celestial norte. O seu nome é Pegasus.
Na terceira constelação respondemos ao mesmo tempo:
- Chamaeleon. - diz ela.
- Cetus. – digo.
- Claramente eu tenho razão. – afirma.
- Só se for nos teus sonhos. Não sei onde te parece um camaleão. – contrario.
  Quando o homem começa a falar, nós chegamo-nos à frente das cadeiras, porque nenhum de nós quer perder.
- É uma constelação do hemisfério celestial sul...
- SIM! – grita a Emily. Todos olham por um segundo para ela. – Peço desculpa. – diz, sentando-se novamente. Cetus é do equador celeste e ambos sabemos isso. Perdi.
- Continuando... a constelação chama-se Chamaeleon. – confirma o senhor.
- Bem jogado. Tinha a certeza que estava certo e não estava. – digo.
- A minha certeza era melhor. Já devias saber que não se aposta nada contra mim, a não ser que se queira perder. – gaba-se.
- Shhh! – diz um homem, atrás de nós.
- Silêncio é na missa! – responde a Emily, voltando-se para trás. Rimo-nos.
- Parece que vou participar de uma peça de teatro. – digo, tentando parecer muito triste.
- Nem queria. – diz ironicamente, sorrindo.

  Ao sairmos da sala, cada um recebe um pequeno quadro de presente. Centralizado tem a imagem do céu que era possível ver quando entramos no planetário e em baixo tem a frase "Our moment", frase essa que escolhi quando comprei os bilhetes e, por baixo, as coordenadas do planetário e a data de hoje. O quadro é todo preto, e as letras e a borda são brancas, que é lindíssimo e combina com o céu e as estrelas. Pela cara da Emily, ela adorou o presente. Eu imaginei como ficaria, mas, mesmo que tentasse, nunca iria imaginar que era tão lindo.

Moonsland (PT)Donde viven las historias. Descúbrelo ahora