Corumbá

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- E aí, doutor? Já está com o resultado dos meus exames? Eles estão bons? Eu já posso ter alta do hospital? Indagou impaciente, enquanto arrumava a única bolsa salva no acidente. Na bolsa, alguns objetos muito importantes foram preservados. Objetos como, seus documentos, cartões de banco e um conjunto de roupas.
- Sim, seus exames apontaram uma melhora muito significativa. Realmente foi só um susto Irene, eu não tenho mais porque te manter no hospital. Você está de alta. Anunciou. Quer que eu ligue para alguém? Vi que seu celular ficou todo quebrado com a queda do carro e...
- Não precisa. Quase gritou. Não precisa ligar para ninguém eu... Eu consigo me virar sozinha. Correu para arrumar tudo o que precisava. Era evidente a sua pressa. Obrigada por tudo, doutor. Obrigada por salvar a minha vida e a do meu filho. Tocou a barriga ao sorrir. Eu sempre serei grata por isso.
- Não tem que agradecer, Irene. Esse é meu trabalho. Salvar vidas. Eu só... Só não entendo porque você não quer avisar ninguém sobre a sua alta. Está fugindo de algo? Irene... Você pretende atentar contra sua vida de novo?
- Não. O encarou incrédula. Claro que não. Eu estava desesperada, doutor. Achei que não tinha mais ninguém na vida. Isso foi antes. Antes de... Antes de saber que ele existia. Eu agora estou pronta pra recomeçar a minha vida. Declarou, segura.
- Tudo bem. Eu vou te deixar sozinha. Sei que você precisa ajeitar tudo para a alta. Todos as receitas médicas estão sobre a cama. Lembrou. Inclusive o exame beta HCG que confirma sua gravidez e te permite começar o seu pré natal. Boa sorte.
- Doutor?! Chamou. Eu sei que o senhor já fez muito por mim mas... Eu queria te pedir mais um favor. Respirou fundo. Não conte a ninguém sobre a minha gravidez. Eu te imploro. Não conte nada, principalmente ao Antônio. Eu sei que a essa altura todos os jornais já devem ter divulgado o acidente e ele já deve saber que eu estive aqui. Mas, eu não quero vê-lo, nem quero que ele saiba de nada. Revelou. É melhor assim.
- Tudo bem, como quiser. Tentou sorrir.
A mulher se sentia melhor do que esteve naquela noite. É verdade, já não tinha mais motivos para acabar com a própria vida, visto que mais alguém dependia dela para viver. Mas, não pôde negar a si mesma, o quanto era uma pena que Antônio não soubesse do filho. Justo ele, que sempre idealizou ter quatro filhos. Que a pediu várias vezes que engravidasse novamente. Ele que, mesmo errando tanto, amava os filhos. Amava como, nunca foi capaz de amá-la.

[• Nova Primavera (MS), 2004 •]
- Petra esteve aqui, enquanto você estava no banho. Sorriu, ao mencionar a caçula. Tava aí, andando pela casa, enrolada nos lençóis da cama, dizendo que era a mulher maravilha.
- Essa menina tem cada uma. Se rendeu a uma risada, enquanto secava os longos cabelos claros com a toalha.
- Ela anima a casa de uma forma que eu não sei explicar. Refletiu. É como se ela fosse o combustível daqui. Impressionante como ela é uma fortaleza, Irene. Quase não fica doente, coloca moral nos meninos e... Vem aqui todas as noites só pra dizer que me ama e que eu preciso descansar. Lembrou.
- É... Ela é mesmo, muito ligada a você né. Se sentou na penteadeira, enquanto iniciava seus cuidados metódicos com a pele. Nossa filha é muito especial. Refletiu, junto do marido, que a encarava pensativo. Que foi? Porque você está me olhando assim?
- Eu acho que nós deveríamos ter mais filhos. Pediu. Petra está tão grande... Os meninos também... Acho que nós merecemos viver novamente essa experiência.
- Ihhhh... Pode parar Antônio. Criar um filho é tão difícil. Amansou o próprio rosto. E depois, eu já te disse, Petra tem 7 anos e me dá uma preguiça enorme de ficar grávida de novo, passar por tudo aquilo, sustentar os enjoos, esperar 9 meses... Ihhhh, vamos deixar isso quieto, vamos?
- Você não quer mais um filho comigo? Se aproximou. Não me ama mais o suficiente para enfrentar tudo isso de novo?
- Você sabe que eu te amo Antônio. Eu... Eu só sou feliz com que já temos. Não acho que falte mais nada. Sorriu, enquanto fugia de uma das vezes em que seu marido implorou novamente por um filho.

[• Nova Primavera (MS), 2023 •]
Enquanto ela deixava o hospital, sentia algumas lágrimas molharem seu rosto. As lembranças dos momentos ao lado de Antônio a perseguem, onde quer que ela esteja, todos os dias. Mesmo assim, Irene não era mais a jovem de quase 19 anos com quem ele se casou. Ela não era mais aquela menina que perdeu a inocência tão cedo que acreditava que ter uma família, ceifaria todas as suas dores e a traria de volta uma infância renegada. Agora, depois de criar dois filhos, ela sabia muito mais sobre a vida do que escolheria saber.
Enquanto deixava o hospital, ela pensou ter ouvido a voz de Antônio invadir a recepção e chamar por ela. Achou que fosse loucura. Seguiu seu caminho e entrou no táxi, sem olhar para trás.
- Bom dia senhora, para onde deseja ir? A encarou, obediente.
- Bom dia... Respirou fundo, antes de decidir. Eu quero ir para Corumbá. Ainda não sei o endereço exato, mas, quando chegarmos até a cidade, eu decido.
- Como a senhora quiser. Arrancou com o carro, sem permitir que Irene se despedisse do lugar onde esteve a maior parte de sua vida. Um lugar pra onde ela tinha certeza que não voltaria. Nunca mais.

Antorene: The After Where stories live. Discover now