Capítulo 1

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Heloísa


Alguns dias antes...

Tudo à minha volta é confuso. Procuro reconhecer onde estou, mas só consigo distinguir as sensações: frio, medo, pânico, desespero. Tenho uma leve impressão de ser um hospital, mas, ao mesmo tempo, me parece ser a minha casa. É algo muito familiar, como se eu estivesse aqui há mais tempo do que gostaria e isso deixa um gosto amargo em minha boca.

Vejo tudo como se uma película embasada estivesse em minha frente. Não sei explicar, é como se a imagem não estivesse exatamente nítida ou focada, e isso me deixa ainda mais apavorada. Tudo é muito claro, estéril e apavorantemente frio. Meus olhos doem tentando reconhecer o lugar onde estou e ao longe, ouço um choro desesperado, o choro de uma criança.

O choro mexe com algo dentro de mim e automaticamente o terror que há em mim, cresce ainda mais. Já nem me importo com o lugar onde me encontro, tudo que quero é encontrar a origem do choro e apenas acalmar a criança.

Quanto mais procuro, mais desfocado tudo se torna e mais fraco o choro da criança fica. Meu coração se aperta e tenho a sensação de que estou perdendo algo e que essa perda será irrecuperável... 

Meu corpo parece vibrar, sinto como se estivesse em movimento. Aos poucos sinto o meu rosto doer e acordo de súbito, assustada com um solavanco, notando que eu dormi com ele colado na janela do ônibus, e foi apenas mais um pesadelo.

"Droga, só quem já dormiu de exaustão com a cara colada na janela de um ônibus sabe o quanto é ruim. A gente tem a sensação de que o cérebro passou por um mixer."

Quando vejo que o ponto mais próximo da minha casa está chegando tento me organizar rapidamente, esfrego as mãos no rosto sem muita delicadeza, pego a minha bolsa, minha pequena mala de viagem e aperto o botão sinalizando ao motorista que quero descer na próxima parada.

Caminhando em direção a minha casa, tento mais uma vez localizar Felipe. Diminuo o ritmo dos meus passos, enquanto finalizo mais uma mensagem e aperto o enviar. Eu sinceramente não consigo entender o porquê ele não me responde e tenho a sensação de que não quero descobrir.

Olho mais uma vez para a tela do celular já velho, com a tela gasta e apertando o aparelho entre meus dedos, seguro a vontade de abrir novamente o aplicativo de mensagens e enviar para ele um áudio, onde eu jogaria absolutamente tudo pra fora. Queria soltar os cachorros e mandá-lo a merda. Queria apenas dizer chega! Mas, ao contrário disso, apenas respiro fundo e tento manter em meus pensamentos que eu prometi mais uma chance para ele. Mesmo achando que o preço dessa chance seja muito alto e que só eu o pague.

— Não, calma! — Tento tranquilizar minha mente inquieta. — Respira fundo. Você prometeu dar essa chance, ele deve estar ocupado no trabalho.

          Repito para mim mesma tentando me encorajar, afinal de contas ele comentou que estava trabalhando em um grande contrato para uma empresa nova, ele quer subir de cargo no escritório de contabilidade e mais uma vez tenho que apoiá-lo, pois é o nosso futuro que também está em jogo.

"Ainda mais agora que não faço ideia de quando conseguirei terminar a minha faculdade e voltar a trabalhar... "

Abro a porta da frente extremamente exausta! Caminho a passos lentos pela casa, sentindo a pequena mala de viagem pesar em meus ombros, como se ela contivesse uma tonelada. A jogo desajeitadamente no chão e olhando em volta, vejo a bagunça que se acumulou em casa. Não consigo conter o gemido que sai dos meus lábios e frustrada, deixo meus ombros caírem. A sala está um caos e seguindo para a cozinha, vejo que ali não está diferente, a pia entulhada de louça suja e o fogão acumula algumas panelas. Observando o caos ao meu redor, tento mais uma vez respirar fundo e me apegar aos pensamentos de que irá passar. É só uma fase... nós vamos superar!

Por trás do Espelho - Spin-off de O feitiço da lua - Degustação Onde histórias criam vida. Descubra agora