Capítulo 2

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Heloísa

Tento me mexer pela milionésima vez, buscando uma posição confortável na poltrona do acompanhante, mas parece que a missão é impossível. Meu corpo está totalmente dolorido e não quer colaborar com o meu descanso, e a poltrona, por mais que tenha sido projetada para ser confortável, é tudo menos isso.

Depois de mexer e remexer mais algumas vezes perco a paciência, notando que realmente não consigo mais dormir e que mais uma noite de sono foi perdida. Nesta etapa da minha vida, sono é um luxo que momentaneamente me escapa pelas mãos.

Olhando em volta observo o quarto de hospital milagrosamente vazio, os outros bercinhos já cumpriram sua missão e as crianças já estão nos braços de suas mães. Enquanto isso, sonho em poder amamentar tranquilamente ou acalentar meu pequeno sem medo de machucá-lo pelo simples fato de pegá-lo errado.

Me levanto me esticando toda, tentando alongar os músculos doloridos e penso em pegar um café bem forte e sem açúcar pra começar o dia. Mas antes, me aproximo do pequeno berço hospitalar com o coração apertado, fico mais tranquila em ver que o meu anjinho ressona com o seu peito subindo e descendo mostrando a sua respiração.

Mesmo assim, não deixa de ser uma visão assustadora observar o seu corpo tão pequenino e magro com apenas uma fraldinha. Há também, uma máscara de oxigênio, vários tubos de acesso, fios e a pior parte, para mim, o dreno que tira o líquido do pulmãozinho. Olhando ele dormir tranquilamente, fico lembrando de quantas vezes ele foi cortado, furado, furado e re-furado... por quantos procedimentos ele passou ou quantas vezes eu o vi chorar sem poder fazer nada, porque alguma enfermeira errou a veia, ou perdeu o acesso.

Ele se move um pouco no pequeno berço metálico e o aparelho que mede a saturação e oxigenação do seu sangue em seu pezinho faz um som horrendo. Me até lembra aqueles aparelhos colocados nos dedos das pessoas que medem seus batimentos cardíacos e os sinais vitais. Tenho a plena consciência de que esse barulho, esse bip estridente irá me acompanhar, ou melhor, irá me assombrar pelo resto da minha vida.

"É um som perturbador, que me lembra constantemente o tamanho da minha impotência."

Rapidamente pego o álcool em gel na bancada lateral e passo nas mãos, esticando-as pelas grades do berço e ainda um pouco receosa procuro um lugar em seu pequeno corpinho que eu possa acariciá-lo ou dar um pouco de conforto. Tenho medo de encostar em algum dos fios ou no dreno e causar mais dor ainda, mas pego a sua mãozinha tentando passar toda força e esperança que posso mesmo que não esteja me sentindo forte e o com esperança.

Imediatamente o meu anjinho aperta o meu polegar com sua minúscula mão e por um momento, um segundo, parece que o tempo para. Consigo ver, neste pequeno instante, que tudo dará certo. É como se com esse pequeno ato, ele conseguisse espantar toda a dor e a tristeza do meu coração, mesmo que por míseros segundos.

— Você já está de pé? — Ouço Eva dizer, assim que entra. — Deveria estar dormindo, já que lutou tanto por essa poltrona! Estou considerando conversar com a administração para colocarmos uma plaquinha com seu nome nela. — Sorrio, ela é uma das poucas enfermeiras bondosas que trabalha no turno da manhã. Como sempre, chega e me cumprimenta já brincando, e realmente, não há o que negar, lutei com unhas e dentes para estar ao lado de Pedro, independente da forma que fosse, ao longo de todos esses meses. Eles não queriam trocar minha poltrona que estava com defeito e acabei dormindo sentada de qualquer jeito por dias.

— Não consegui dormir, na verdade, nem preguei o olho. Mas, eu tentei. — Digo ainda olhando meu pequeno.

— Você precisa cuidar melhor de você, mãezinha. Como cuidará dele, se você adoecer? — Ela fala ainda brincalhona, mas vejo o quanto a sua afirmação é séria.

Por trás do Espelho - Spin-off de O feitiço da lua - Degustação Onde histórias criam vida. Descubra agora