Capítulo 4

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Heloísa


Depois de mais uma noite insone, me reviro na poltrona, praticamente vendo o dia amanhecer, como o meu irmão tanto gosta de fazer para enlouquecer os meus pais, mas eu não consegui, não dormi de preocupação. Com a cabeça cheia e a visão de Felipe sentado ao lado daquela mulher saindo com o carro do estacionamento, passei a noite em claro, remoendo a cena.

O pior de tudo, é constatar que no momento eu nem raciocinei, só me joguei na frente do carro. Poderia ter sido uma tragédia...

Pensei, ao longo das horas, em mil possibilidades e do porquê ele ter feito isso. Mas nenhuma das possibilidades que eu consegui pensar, torna a atitude dele mais plausível. E com isso, vem a constatação de que eu tenho que ir para casa e enfrentar tudo, mesmo não querendo.

A Gabi queria passar a noite aqui comigo, mas duas pessoas no hospital seria inviável, por isso, mandei-a para casa e disse que estava tudo bem. Ela já tem passado por tanta coisa depois do falecimento da sua mãe adotiva. E praticamente ficou sozinha no mundo outra vez e mesmo assim, tem sido a minha força e a minha rocha, minha irmã de alma.

Pego o celular e olhando o visor, vejo que ainda não tem nenhuma mensagem, provavelmente ela ainda esteja dormindo, assim como eu deveria estar. Ainda faltam algumas horas para ela chegar. Eu não sei como ela está conseguindo trocar tantos dias no trabalho, isso me preocupa um pouco, afinal de contas esse trabalho é novo. Mas, mesmo preocupada, não consigo deixar de ser egoísta, me apoiando a todo instante nela, ao invés de tentar resolver sozinha, pois preciso dela aqui do meu lado, principalmente hoje.

Olho para o pequeno bercinho e solto um suspiro, largando o celular ao meu lado. Apesar do cansaço, não quero dormir. Quero aproveitar cada minuto, cada segundo do lado do meu pequeno, alguma coisa em meu coração me pede por isso.

Me levanto, tentando desamarrotar um pouco esse avental horroroso que o hospital nos faz usar por cima da roupa e me aproximo do meu anjinho, que dorme tranquilamente.

É tão difícil vê-lo nessa situação. Mas, ao mesmo tempo, não consigo tirar os olhos dele, não consigo não estar perto a cada segundo que posso. É como se o meu coração e os meus medos gritassem a todo instante que o nosso tempo juntos está acabando. Isso é uma das coisas que mais me faz sentir impotente, não poder mudar essa situação.

Acaricio levemente a sua cabeça, os seus cabelinhos ralos e presto atenção a cada pequeno detalhe do meu anjinho, mesmo que coberto por fios. Seu rostinho, que mal consigo ver por trás de uma máscara de oxigênio e o dreno, e tento enxergar, além disso, e acalmar o meu coração para tudo o que sei que está por vir.






***




Sabe quando você chega em um lugar com a sensação de ter entrado em um universo paralelo? Uma realidade alternativa e totalmente distorcida?

"Essa é a minha sensação neste momento."

Entrei em casa já preparada para as brigas, os gritos e todo tipo de confronto, mas não encontrei nada. Apenas o silêncio e os sorrisos... E estranhamente, isso me perturbou muito mais do que os gritos.

Após ter deixado a Gabi com Pedrinho no hospital, vim para casa praticamente já vestindo uma armadura de guerra. Mas, eu não poderia estar menos preparada para o que eu encontrei. Simplesmente não fazia sentido...

Ao contrário de tudo que eu esperava, encontrei em casa, uma mesa de café da manhã posta com a nossa louça mais bonita. Pães, frios, suco e tudo o que tem direito, no centro há até um pequeno arranjinho de flores, que tenho quase certeza que é do jardim de minha mãe. E isso, me faz ter a certeza de que tudo isso não é obra somente do Felipe, dona Fernanda tem um ou dois dedinhos aí.

Por trás do Espelho - Spin-off de O feitiço da lua - Degustação Donde viven las historias. Descúbrelo ahora