Capítulo 1

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Cedar sabia que fora concebido num tubo de ensaio. Contaram-lhe que  que um homem doara esperma e uma mulher o óvulo para que fosse misturado ao DNA animal. Não sabia quem o gestara.  Seres humanos aceitaram participar de um projeto monstruoso, criar seres para servirem de cobaias humanas.
Crescera na instalação norte do laboratório Mercille, uma indústria responsável pelas medicações mais eficazes e revolucionárias produzidas.
Ele se lembrava da sua infância, quando seres humanos cuidavam dele como se fosse um animal. Era alimentado, ganhava roupas e crescia sem maus-tratos. Crescera e se tornara um adolescente que recebia injeções e soros que o tornaram mais forte.
Passara a receber em seu corpo substâncias que o deixavam doente. Chicotes eram usados em sua pele e depois passavam líquidos e pomadas. Mais velho, seus ossos foram quebrados uma, duas, diversas vezes para testarem medicamentos. Seres humanos praticavam cada uma dessas ações.
Um dia trouxeram outra pessoa igual a ele e quando pensara que sua solidão chegaria ao fim foram colocados para lutar, recebiam mais injeções e voltavam a lutar. Ele descobriu que havia outros que sofriam como ele.
Colocaram em sua cela outro ser como ele, mas era um pouco diferente. Era menor, mais macia e desprendia um aroma que mexia com suas partes íntimas. Os técnicos lhe disseram que ele era um macho e ela era uma fêmea e lhe ensinaram o que devia fazer com ela, sexo. Vieram outras. Algumas choravam, outras lutavam com os técnicos, mas por fim cediam, senão eram surradas ou o viam ser torturado. As fêmeas lhe contaram o que os humanos as forçavam a fazer sexo, mas não eram como os machos, eles as machucavam de propósito.
Ele era chamado de 221. Ou de animal. Passara a odiar tanto os humanos que simplesmente feria ou matava qualquer um que se descuidasse. Ele apanhava muito quando matava, mas passara a sentir prazer naquele ato.
Cedar descobrira tudo aquilo quando outros seres humanos chegaram e disseram que estava livre, porém ele não sabia o que era ser livre.
Fora levado para um local no que aprendera ser o deserto. Humanos que não o feriam ensinaram-lhe a comer como os humanos e a se vestir como eles. Aprendera mais palavras, ensinaram-lhe a ler e passaram vídeos sobre o mundo dos humanos e tudo que existia nele.
Quando disseram que deveria escolher um nome, ele pensara na majestosa árvore que vira num dos vídeos; chamava-se cedro. A árvore era alta, resistente e seus galhos se espalhavam oferecendo sombra aos cansados. E passara a se chamar Cedar.
Apesar de humanos cuidarem do seu corpo e o ensinarem tantas coisas, Cedar não conseguia confiar neles. Eram mais fracos e menos inteligentes, contudo seu potencial para a violência era enorme.
Como aprendera tudo muito rápido sobre o mundo humano, o macho Justice o escolhera como representante dos machos e fêmeas da instalação onde fora criado. Seria um conselheiro.
Aprendera a falar como os humanos e a se comportar como um deles. Quando assumiram o nome Novas Espécies, Cedar considerara que era muito apropriado, não aceitava ser chamado de homem.
Depois de dez anos que foram libertados, Cedar era um exemplo da inteligência e resiliência dos espécies. Fizera amigos, amava a ONE como uma família e aprendera cada vez mais e mais.
Justice, que se tornara o líder maior do seu povo confiava nele e o escolhera para ser o responsável pela instalação no Brasil e seu trabalho produzira excelentes resultados. Vivia entre humanos e espécies e se empenhava para que a colônia, Homeland III fosse uma verdadeira casapara todos os Novas Espécies que se mudaram para lá.
Era considerado um exemplo para todo o seu povo e para os humanos.
O que Cedar jamais revelara até para Justice era que odiava os humanos com todas as suas forças. Apenas suportava viver com eles e, como alguns espécies sonhavam, esperava o dia que fossem tantos que tomariam o poder daquele mundo e os humanos passariam a ser seus serviçais.
Tratava os humanos com educação e muitos o achavam gentil, mas só ele sabia o quanto precisava esconder o que pensava e como se sentia. Nunca diria a ninguém, porém sentira enorme prazer em matar humanos e daria aquele destino aos seus genitores se pudesse encontra-los.
Naquela manhã em especial ele estava muito aborrecido por a ONE ainda precisar de humanos para funcionar. Homeland III estava prestes a comemorar o seu segundo ano de funcionamento e, num acordo com o governo brasileiro, passara a receber animais ameaçados da fauna brasileira. Logo  lobos-guará, onças-pintadas, papagaios verdadeiros, micos-leões-dourados e outras espécies dividiam espaço com os habitantes da Reserva da Zona Selvagem. E, para seu desgosto, precisara contratar um veterinário, ou melhor, uma veterinária para atender aos animais.
Sentada à sua frente estava uma mulher alta e muito magra. Era o que chamavam de mestiça. Tinha a pele da cor do café com leite, cabelos louros com cachos crespos e furiosos e sardas espalhadas pelo rosto e ombros. Cedar estava imaginando como aquela mulher de aparência frágil seria capaz de lidar com uma onça pintada, por exemplo.
Olhava do currículo extenso para a mulher vestida com uma camiseta de malha, bermuda, botas de cano curto e meias. Reparou também que tinha seios pequenos com mamilos que apontavam contra o tecido da blusa.
Cedar somente se sentira atraído por uma humana uma vez, Jessie, a companheira de Justice. Mas aquela mulher espigada não tinha sequer a metade da beleza humana de Jessie ou Ellie.
O currículo era muito bom, mas o que favorecera aquela humana fora que não demonstrara nenhum medo dos espécies. Para dizer a verdade, os olhos de cor âmbar  o olhavam com franca admiração.
Bateu com a caneta no currículo.
— Quantos anos tem mesmo?
Ela deu um sorriso tímido.
— Está no currículo. Tenho 28 anos.
— Trabalhou no zoológico da cidade do Rio de Janeiro e em dois institutos de proteção à espécies com risco de extinção.
— Sim. - ela apontou para o currículo. — Trabalhei também para o IBAMA.
— Não ficou muito tempo em cada lugar.
Ela enrubesceu.
— Sou veterinária desde os 22 anos e tenho buscado oportunidades de trabalhar com animais  silvestres. - sorriu novamente. — Tive a experiência somente nos dois institutos.
— Cuida de animais para o consumo?
— Há selvagens que podem ser consumidos.
Cedar franziu as sobrancelhas não gostando muito daquela mulher.
— Digo porcos, galinhas e vacas.
— Se for preciso posso atende-los, mas entendo que a prioridade são as espécies que vivem na Reserva, não é?
— Sim. -,Ele tamborilou  com a caneta no currículo. Realmente não gostara daquela mulher, contudo ela fora a única que atendera a todos os critérios . — Por que deseja trabalhar exatamente aqui?
Os olhos dela brilharam e abriu um sorriso.
— Acompanho as Novas Espécies desde que o mundo soube de vocês. É uma realização pessoal trabalhar com a ONE.
Cedar estreitou os olhos para ela. Aquela mulher o olhava como se fosse uma atração de um espetáculo.
— Sabe que não somos tratados por veterinários, não sabe?
Ela abriu a boca e seu rosto corou violentamente e piscou rapidamente.
— O quê? Ah... não. Não. Claro que não. Afinal, são humanos.
— Não somos humanos. Somos geneticamente alterados.
— Por isso são chamados de Novas Espécies.
Cedar franziu a boca e a estudou por um instante. Ela mantinha as mãos sobre os joelhos unidos e balançava a perna direita no que pareceu um tique nervoso. Justice aprovara o currículo dela e antipatia não era um motivo para reprova-la.
— Senhorita Domingues...
— Pode me chamar de Clara.
— Certo. Clara. - Cedar pigarreou. — Está hospedada em Santa Rosa?
Ela se mexeu, parecendo inquieta.
— Não. Vim do Mato Grosso do Sul direto para cá.
— Mas pretende se hospedar lá?
Clara inspirou fundo.
— Eu esperava já ficar aqui.
Só me faltava essa! - ele pensou.
— Tem tanta certeza que será contratada?
Ela mordeu o lábio inferior  e ele pensou se ele não estava sendo desagradável sem motivo.
— Eu espero, sim.
Cedar admirou os cachos crespos, os seios arrebitados , o rosto desconcertado e tomou a sua decisão.
— Bem, senhorita, eu lhe ofereço uma experiência de três meses. Depois poderemos conversar novamente.
Ela se levantou, se debruçou sobre a mesa dele e segurou sua mão.
— Obrigada, obrigada! O senhor me fez muito feliz!
Cedar apenas piscou e esperou que ela se sentasse. Abriu uma gaveta da escrivaninha e pegou o contrato.
— Leia e assime.
— Nem preciso ler!
Ele apontou duas questões.
— Primeiro, leia o termo de confidencialidade  e  o de não comprometimento da ONE caso haja um acidente.
— Que tipo de acidentes? Com os animais?
Ele não contaria o que era.  Preferia não comentar sobre  os habitantes da Zona Selvagem.
— Leia e assine, senhorita.
Ela passou os olhos pelo texto,
— Pode me emprestar uma caneta?
— Já leu? - perguntou, surpreso.
Clara riu e ele notou as covinhas na face.
— Faço leitura dinâmica.
— Sei.
Ele estendeu a caneta para ela .
— Aqui está .
Ela pegou, assinou e ainda desenhou um rostinho feliz após a assinatura. Devolveu a caneta.
— Tudo assinadinho.
Cedar segurou um rosnado, achando a mulher muito chata.  Ficou em pé e ela o imitou.
— Se puder aguardar na recepção, logo alguém virá busca-la para leva-la ao seu dormitório.
Clara deu o que lhe pareceu pulinhos.
— Obrigada, senhor Cedar...
Ele apertou a mão que ela ofereceu.
— Até mais tarde.
Ela lhe deu mais um olhar deslumbrado e saiu. Cedar admirou o quadril discreto e a bunda em formato de um coração invertido,achando que ela não era de todo mal.


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