Capítulo 5

70 14 0
                                    

Em uma noite, Camélia (ou Dongbaek) não apareceu, e Zuko ficou obviamente preocupado, mas esperou a noite seguinte, torcendo para encontrá-la, e assim foi. De novo com as mangas longas e dessa vez com muita maquiagem, o que fez o sangue do rapaz ferver.

— Antes que você pergunte qualquer coisa, meu tio não fez nada dessa vez — disse ela enquanto caminhavam por uma praça, ao perceber a postura tensa dele.

— O que aconteceu então?

— Soldados. Um soldado bêbado, na verdade — ela riu e deu de ombros. — Mas, é, meu tio acabou ficando muito bravo porque a Dália perdeu uma noite de trabalho cuidando de mim. Só que eu juro que ele não fez nada.

— Você não quer, sei lá, ficar um tempo com a gente? — ele perguntou de repente, coçando a nuca.

— Onde? Na sua casa?

— É...

— "Lee", você é burro? — ela começou a rir de verdade. — Meu tio sabe onde você trabalha, porque você mesmo disse. Óbvio que ele vai demorar minutos pra descobrir onde vocês moram. E eu não quero causar no seu tio o constrangimento de ter que atender a porta e dar de cara com um cafetão procurando uma das garotas dele.

— Ah, faz sentido... Desculpa, eu só não me conformo com toda essa situação.

— Eu sei.

Eles sentaram num banquinho perto de um salgueiro e começaram a conversar um pouco sobre as outras garotas. Dongbaek contou que, como ela e Dália, todas tinham nome de flor. Margarida, Rosa, Sakura, Tulipa e Íris, mais precisamente.

Ela contou que tinha uma boa relação com todas, apesar do fato de Dália e Tulipa viverem num constante estado de torpor por causa da bebida. Mas ela não julgava e nem podia reclamar, pois era o jeito que elas haviam encontrado para conviver com a própria realidade. Íris era apenas dois anos mais velha que ela, e isso fez Zuko se sentir ainda mais indignado.

Depois que aquele assunto se esgotou, eles ficaram em silêncio por um tempo, apenas observando as pessoas que ainda estavam na praça tão tarde da noite. De repente, ela disse:

— Acho que minha única chance é uma viagem.

— Como assim?

— Se eu fugir aqui, de novo, meu tio conhece cada esquina do anel médio e conhece muito bem o anel inferior também. Minha única chance é fugir dele fora de Ba Sing Se.

— Você tem pensado nisso?

— Sim, e muito — ela suspirou. — Além de ter medo por ele sempre me achar, acho que sempre me sinto refém do sustento dele. Mas eu tenho escondido um pouco de dinheiro. Ele nunca pega tudo que eu ganho, sempre me deixa com alguns trocados pra eu comprar alguma besteira que eu queira, etc. Mas eu venho guardando quase tudo, porque se eu conseguir fugir, não vou ficar totalmente desamparada.

— Entendi... Acho isso bem esperto da sua parte. Nunca se sabe quando você terá outra chance, então é melhor agarrar — ele respondeu.

— E você? O que você pretende fazer? Ficar por aqui?

— Talvez — ele deu de ombros. — Continuo sendo uma persona non grata na Nação do Fogo, não faço a menor ideia do paradeiro do Avatar, minha irmã me odeia e de tempos em tempos aparece pra me infernizar, meu tio tá feliz com a loja dele... Eu sinto um pouquinho de paz pela primeira vez em anos na minha vida.

— Isso é ótimo. Eu fico muito feliz por você, de verdade. Mas fica de olho no seu coração.

— O quê? Por que?

— Eu sei que você tá se sentindo em paz e que até me parece bem feliz, mas se em algum momento você sentir que quer algo diferente, corre atrás. Contanto que seja uma coisa boa, sei que seu tio vai entender e te apoiar. Ele te ama muito.

— Ah, sim... Entendi. Bom, vou ficar "de olho" nisso. Mas por agora, quero descansar; eu não aguentava mais minha vida.

— Entendo — ela sorriu.

Zuko não pôde deixar de admirar aquele sorriso por alguns minutos. Ela olhava para as pessoas na praça, para a fonte no meio dela, para as árvores e para as estrelas com um sorriso que chegava aos olhos, ou seja, um sorriso verdadeiro.

Por mais que aquele sorriso de noites atrás, o sorriso que ele ainda não conhecia, tivesse feito seu coração correr no peito e tivesse feito seu corpo sentir uma atração quase magnética, era aquele sorriso, o da Dongbaek, que o fazia sentir-se bem.

Quando eles estavam juntos, jogando conversa fora, e ela estava com aquele sorriso, parecia que tudo ia ficar muito bem. Por mais que um certo rosto, cuja marca era a ausência de um sorriso, ainda estivesse ali em sua mente, fazendo-o pensar em como seria voltar para casa e ter de volta sua vida confortável e alheia ao sofrimento fora do território de seu pai.

E, como se lesse seus pensamentos, Dongbaek perguntou:

— Você tem uma pessoa, não tem? Lá na Nação do Fogo?

— Eu? Hã, acho que sim... As coisas nunca ficaram muito claras entre nós, mas acho que eu gostava dela e que ela gostava de mim, do jeito dela. Como você sabia?

— Acho que é uma habilidade que eu fui desenvolvendo com o passar do tempo, mas já tem um tempo que eu sempre sei quando algum cara tem alguém em quem ele ainda pensa e que gosta de verdade. Alguém em casa, alguém em outra cidade, alguém que ele conheceu depressa, alguém que ele deixou ou perdeu... Normalmente esses são os mais gentis — explicou.

— E você? Você tem ou já teve alguém em quem pensava?

— Sim, mas durou pouco. Foi no ano passado, na verdade.

— E quem era ele? Como foi? — o rapaz perguntou, curioso.

— Era um soldadinho também, tinha dezoito anos. Depois da, bom, primeira vez, achei que ele tinha voltado com o mesmo propósito, mas ele na verdade me chamou pra sair algumas vezes. Foi bem legal, a gente se divertiu muito e ele era mesmo muito gentil. Mas logo a divisão dele foi realocada para uma cidade perto de Omashu e ele foi embora, nunca mais tive notícias dele. Espero que não tenha morrido — ela riu melancolicamente e ele a acompanhou na risada.

— Esse seu comentário final quebrou totalmente a atmosfera romântica e nostálgica, parabéns — ele se espreguiçou depois da longa risada.

— Obrigada, eu sou muito boa nisso. Romance é pra mocinhas.

— Mas você é uma mocinha.

— Mocinhas de verdade. Você entendeu o que eu quis dizer.

Eles voltaram para o bar e tomaram cada um uma dose de saquê, mas depois, como os bons jovenzinhos que eram, pediram uma sobremesa para dividir antes de irem embora.

Os dias passavam rápido para eles na grande cidade de Ba Sing Se, porque é o que acontece com o tempo quando se está em boa companhia.

A coisa de Zuko ficar sugerindo alternativas para Dongbaek deixar para trás aquela vida se tornou constante, mas as negativas dela eram tão constantes quanto. Talvez sua única chance realmente fosse uma nova viagem para fora daqueles muros tão cheios de segredos e ignorância, e ele pensava se poderia ajudá-la de alguma forma.

Contudo, por mais que sentisse a necessidade de ver aquela garota livre, lá no fundo ele ficou triste com a ideia de nunca mais vê-la. Era estranho pensar em continuar uma vida em Ba Sing Se com tio Iroh sem tê-la por ali, aparecendo de vez em quando para tomar um chá, passeando com ele à noite, essas coisas. Ele até se perguntou se ela um dia entraria em contato se conseguisse mesmo ir embora.

Ba Sing Se não era o lugar de Zuko, mas ele permaneceria ali enquanto se sentisse bem. E, para ele, parte do "sentir-se bem" ali era por causa de sua querida amiga. Entretanto, mesmo que isso tirasse um grande pedaço de sua paz e conformação com a estadia atrás daquelas muralhas, ele desejava que ela pudesse encontrar logo sua liberdade.

Uma história de Ba Sing SeWhere stories live. Discover now