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O caminho até o hotel foi tranquilo, o trânsito ainda não estava movimentado por ser tão cedo naquela manhã. Porém dentro da cabeça de Amelia estava um caos completo. Liam tentou puxar assunto, mas ela estava distante demais para responder. Naquele momento ela estava com a mente dividida entre se preparar para a bronca que iria levar e ficar remoendo o eco da voz de Jason falando aquele sobrenome. Ela não conseguiu evitar de puxar um cigarro da carteira que ela estava carregando na jaqueta.

— Ames...— o motorista protestou, mas ela não deu ouvidos. Ele também não tentou a impedir. Sabia que ela estava estressada e precisava daquilo para se acalmar. Também estava nervoso, mas era por ela. Tinha certeza que ela estava colocando muito peso em si mesma.

Ela soprou a fumaça densa por uma fresta da janela, esperando sentir sua pressão cair. Não aconteceu. Seu olho azul refletiu a luz do sol que passou por entre os prédios e atravessou o para-brisa, mas o esquerdo parecia ter absorvido toda a energia daqueles raios. Não houve mais conversa, somente o som dos pneus no asfalto.

Quando eles saíram do elevador e caminharam pelo corredor que levava para a sala de Gary viram um grupo de homens, talvez 8 ou 9, saindo de lá. Todos estavam de terno, bagunçados como Liam, como se tivessem saído de uma luta. Todos, menos o cara que andava na frente. Ele estava de jeans escuros e uma camisa azul marinho, que claramente era de um tamanho muito menor do que ele usava. Os botões da região do abdômen se esforçavam para segurar o tecido junto, já os do peito já haviam desistido... Ou sequer tentado. A pele clara, mas bronzeada, chamou a atenção de Amelia durante a aproximação dos dois. Também notou que ele deveria ter uns 20 centímetros a mais que ela. Não só em altura. Era um homem de ombros largos, braços grossos que ficavam bem expostos com aquela camisa. E então seus olhos subiram para o rosto daquele estranho enorme. O maxilar era bem definido, parecia uma escultura renascentista. As bochechas altas, lábios largos e finos, uma barba por fazer contornando a face, sobrancelhas cheias e expressivas no mesmo tom do cabelo, um mel escuro, como se os fios tivessem sido tingidos pelo sol. Mas o mais incrível eram os olhos. Era como olhar para a escuridão e sentir sua alma sugada pelo vácuo daquele olhar. Porém, aquele mistério de pessoa não retribuiu a atenção de Amelia. Todos os homens com ele abaixaram a cabeça quando passaram por ela, mas ele não. Ele cruzou como se nem soubesse quem ela era. E por algum motivo, ela foi obrigada a acompanhá-lo, virando o rosto como se quisesse aproveitar cada segundo daquela visão. Algo dentro dela dizia que já tinha o visto antes, mas com aquela presença... Ela se lembraria.

A garota sequer havia notado que tinha parado no meio do caminho para observar aquele ser. Quando ele entrou no elevador que a trouxe, logo antes das portas prateadas fecharem, ele sorriu para ela. Um sorriso confiante. Era difícil dizer se era um convite ou desafio. Depois que aquele momento acabou, Liam virou-se para ela, alguns metros à frente, confuso.

— Ames? — ele a puxou para fora do transe.

— Ah, estou indo. — sacudiu aquele sentimento do seu peito porque o que viria agora era muito pior.

Ele abriu a porta para ela e a esperou passar sorrindo em gesto de confiança.

Gary estava de costas para a entrada, haviam inúmeros papéis espalhados pelos tapetes caros. Sua cadeira de couro escuro estava caída no chão, a mesa adornada com garrafas de whiskey abertas e o cheiro da fumaça que cobria a sala indicavam o pior clima para a dupla. A regra era clara. Ele falava primeiro. Sempre. Mas essas regras não valiam para Amelia.

— Gary, foi uma embosca-! — a frase foi abruptamente interrompida por um copo que voou tão próximo de seu rosto e se chocou contra a porta atrás dela. O chefe estava virado para ela, agora. Ofegante, com os cabelos bagunçados e o rosto vermelho de ódio.

Black HeartWhere stories live. Discover now