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    Havia se passado seis dias depois daquele bombardeio, era o início da manhã que traria mais infortúnios para todas nós. Estava sentada em uma cadeira de madeira na cozinha e com mais três irmãs eu tentava atrasar o inevitável. A dispensa quase tinha se esvaziado e toda a cidade carecia de alimentos, racionar comida foi a alternativa mais sensata em que concordamos, tentar encontrar alguma coisa fora do convento estava fora de questão, as lojas mais próximas tinham sido saqueadas e procurar em outras áreas colocaria em risco as nossas vidas.

    - Precisamos suportar essa provação e confiar em Deus, ele enviará ajuda aos necessitados. - disse a irmã Fiodora.

    Suspirei fundo tentando aceitar a ideia mas sabia que a realidade poderia ser um pouco diferente dessa de receber ajuda. Talvez para muitos os meus pensamentos só reforçavam a conclusão de que minha mente ainda estava fortemente ligada a vida que eu tinha na terra, e que não entendia os reais planos de Deus por acabar atribuindo significado demais à esta vida.

    Poderiam dizer o que quisessem, mas para mim, uma vida ainda era uma vida e merecia sua importância, eterna ou finita. Tantas coisas das quais não concordava e que eram ensinadas como uma verdade absoluta, e nesse mesmo tempo não conseguia imaginar o que passava-se na mente do nosso pai. Indagações que guardei apenas para mim.

    - Irmã Eleonora, está se sentindo bem? - perguntou Ravínea.

    - Sim, só um pouco cansada, logo vou estar melhor. - respondi a ela.

    Preparamos a refeição daquela manhã e reunimos todas as freiras e noviças no refeitório. Ao todo, somávamos 23 mulheres. Compartilhamos a situação sobre a dispensa com todas e fizemos uma oração antes de sentarmos à mesa, nossa união precisava ser mais forte do que nunca naquela situação e indiretamente me elegeram como responsável substituta, uma espécie de madre temporária, dado minhas ações durante o ataque e a minha postura nos dias posteriores.

    Não acredito que merecia tal reconhecimento pois minhas visões estavam em desacordo com a minha crença, mas eu sabia mais do que qualquer uma de que daria a minha vida para ajudar as minhas irmãs, mesmo que ninguém interceda por nós, me tornaria este pilar para que outras não acabassem perdendo suas esperanças. Caso isso significasse enterrar os meus pensamentos pessoais, faria sem receio, afinal, meu afeto por elas era verdadeiro.

    Não me daria ao luxo de transpassar minhas inseguranças para o resto do grupo, em qualquer outro momento isso seria aceitável mas agora o caso era outro, a guerra ainda não havia acabado e poderíamos sofrer outro ataque a qualquer momento, havia o problema da comida e não se sabia quando conseguiríamos mais mantimentos ou por quanto tempo duraria o que ainda se tinha.

    No meio de todas essas coisas eu ainda previa outra situação problemática que poderia nos ocorrer e eventualmente precisaríamos resolver. Pessoas poderiam procurar abrigo no convento, mesmo com partes destruídas ainda poderia servir de amparo, e se caso aparecessem, não poderia negar suas entradas. Isto nos sentenciaria à morte pela fome, para evitar que isso ocorresse a única solução seria sair e se arriscar em lugares mais distantes buscando comida.

    Meu olhar sobre as irmãs enquanto iniciavam sua refeição era de inquetação e de dúvida, sentada ao lado de Ravínea e Fiodora a minha mente buscava traçar planos para as possíveis situações futuras. A comida não descia e o cansaço estava aumentando, um desgaste mental qual nunca havia passado. Fiodora tentou me animar percebendo o peso de tomar todas aquelas decisões em um momento tão difícil que estava me sufocando, enquanto Ravínea parecia brilhar de empatia com as outras irmãs, contando-lhes histórias das quais não lembravam nada a realidade à nossa volta. Talvez eu fosse abençoada por ter amigas assim, reforçando-me de que não estava sozinha para atender a necessidade de todas.

    Até que os barulhos de tiro vinheram do lado de fora da nossa casa, a primeira reação que tive foi a de me abaixar sob à mesa e gritar para que as outras fizessem o mesmo. Minhas pernas começaram a ficar inquietas sobre qual atitude deveria tomar naquela situação e se talvez conseguiria salvar as mulheres que estavam alí. Então tomei a decisão mais racional que tive em um curto espaço de tempo para evitar que mais uma pessoa morresse.

    - Todas para a dispensa, agora! Sigam para lá abaixadas! Rápido! - exclamei tentando passar confiança e evitar que alguma delas pudesse tomar um tiro.

    Focaram seus olhares sobre mim e rapidamente dirigiram-se para a dispensa, que era o lugar mais seguro do convento, dado seu posicionamento quase que no centro do lugar e por possuir espaço o suficiente para alojar todas dentro, sua porta era de ferro e não tinha aberturas além da fechadura, a entrada de ar se localizava no teto de uma forma que não era visível aos olhos dos que estavam do lado de fora e isso evitaria que tentassem nos matar sufocadas por fumaça. Tudo isso tornava aquele cômodo uma espécie de bunker.

    - Escutem, todas vocês! Precisamos ficar calmas, não sabemos o que está acontecendo lá fora. Evitem fazer barulho desnecessário. As que desejarem orar silenciosamente sigam em frente. - disse eu, próxima a porta de ferro, para que todas pudessem manter o foco.

    Foi quando vinheram gritos pedindo por ajuda, quais aparentavam ser de pessoas em frente a entrada que estava fechada naquele momento. Cogitei a ideia de que pudesse ser uma armadilha, soldados inimigos poderiam acreditar que o convento estava abrigando vários civis ou até mesmo soldados aliados que estariam feridos. Abrir as portas poderia significar um risco para quem estava alí comigo, porém, ignorar o pedido de auxílio também era algo que estava fora de questão para mim. Destranquei a porta de ferro da dispensa e tomei coragem o suficiente para ir em direção a saída, disposta a encarar o peso das minhas ações.

    - Tranque a porta... e só abra se eu retornar. - disse eu para Fiodora enquanto caminhava rumo à entrada.

    - Você vai voltar! Tenha fé em sí mesma, pois todas que estão aqui dentro tem fé em você, e tome cuidado. - disse Fiodora antes de fechar porta com um olhar de esperança e preocupação.

Minha Doce GrinaldaWhere stories live. Discover now