Matias⚽

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A parte de trás da cidade é assustadora. E Júlio definitivamente não queria entrar ali. Mas quando saiu com uma segunda bola de futebol em mãos, perguntando para cada um da cidade onde ele acharia o Matias dono casual bola, ele precisava ir até o final.

Júlio simplesmente odiou todo aquele mato em que ele resolveu se enfiar. E odiou ainda mais todos que lhe deram as instruções até lá, sem contar do perrengue que seria.

O celular dele parou de vibrar assim que ele adentrou algumas moitas no caminho, há uns cinco minutos. E isso foi a única coisa que aliviou um pouco a cabeça dele e o ajudou a continuar andando.

Tinha uma casa branca no meio do mato. Na verdade, tem uma casa descascada e com mofo em suas paredes, que um dia já foi branca. Algo dentro do rapaz que acende dois sinais. O sinal azul gritou a todo vapor que era a hora de voltar e parar com essa maluquice, o outro, vermelho como a maçã da branca de neve, lhe indicava que era bem ali que ele deveria se enfiar.

Ele atendeu o sinal vermelho. Caminhando em passos mais incertos, ele parou em frente a casa e a encarou por um tempo. Tudo nela parecia desgastado, muito diferente da bola imensamente conservada que ele segurava com ambas as mãos.

Um suspiro depois, ele estava parado em frente a grande porta de madeira escura da casa. São necessárias mais de quatro batidas para que alguém grite de dentro, algo que se assemelha a um… palavrão?

— Que foi inferno! — O homem grita com raiva enquanto abre a porta emperrada com dificuldade e violência. — Já falei que não vou comprar nada com vocês e…

A imagem de Júlio parece assustá-lo, ou pelo menos pegou-o de surpresa, já que ele logo muda o jeito de falar. A porta que havia sido aberta revelou um cheiro que o garoto nunca havia sentido antes. Parecia a mistura perfeita entre álcool,sujeira e decadência. Tudo em um mesmo ambiente,fez com que Júlio mordesse o interior da bochecha para desfocar do cheiro.

— Que foi garoto? O que você quer? — Apoiou um braço na lateral da porta, fazendo então com que o outro reparasse ainda mais no tamanho da barriga do homem. — Anda logo garoto! Eu não tenho o dia inteiro!

— Ah! Sim, sim. Eu tô procurando o Matias. Sabe onde posso encontrar ele?

— Sou eu — revelou, fazendo os olhos de Júlio se arregalaram sem permissão. — O que você quer comigo, pirralho?

— Você…. você? — Os olhos dele passearam por todo o outro homem. O cabelo desgrenhado e sujo, a barriga saliente exposta e o cheiro que ia ficando cada vez mais forte.

— Eu? Eu? Fala logo, inferno! Nem todo mundo é desocupado como os jovens de hoje em dia.

— Você… era amigo de Melissa Mendes, não era? — Perguntou receoso, um pé mais para trás do corpo, com medo de que Matias fizesse algo imprevisível.

— Quem quer saber da minha vida? — Matias analisou o rapaz de baixo para cima.

— Eu sou filho dela, senhor.

— Você?! Filho da Melissa? — A mão dele cobriu a boca. — Quanto tempo já se passou?

— Eu tenho 20 anos.

— 20 anos ... meu senhor amado. — Olhou para cima por um tempo até descer e encarar Júlio de novo. — E o que você quer, rapaz?

— Eu vim devolver isso. — Ele estendeu uma mão, dando foco total na bola de futebol. — Era sua. Antes do…

— Antes do seu Tonico pegar de mim. — Matias foi rápido em pegar a bola. — Onde você achou isso?

— Em um quarto esquecido na minha casa. — Os olhos de Júlio não desviaram em nenhum momento enquanto o homem mais velho analisava cada centímetro da bola.

— Ela continua inteirinha. Aquele velho realmente soube conservar as coisas. Pena que ele não se conservou direito não é? — A risada que ele soltou era sarcástica, e Júlio,que já se sentia enojado com a presença de Matias,sentiu vontade de vomitar com o jeito que os olhos dele quase se fecham.

— É… é. Então, se o senhor me dá licença. — Ele abaixa um pouco a cabeça e dá um passo para trás, mantendo sempre os olhos atentos. — Eu só vim fazer isso. Não vou tomar mais seu tempo.

Matias demorou certo tempo para responder, mas soltou uma risada que fez o estômago de Júlio se revirar. Ele poderia vomitar bem ali e bem agora. Ele poderia agachar e colocar toda a comida que uma dia já havia ingerido,porque Matias só se mostrou ainda mais sujo. Não por sua aparência,mas sim pelo seu cinismo.

— Obrigado, garoto. — Segurou a bola com a mão no nível do ombro, exibindo ela. — Essa belezinha finalmente voltou pras mãos do dono original.

Júlio sentiu a cabeça rodar e então seu cérebro pareceu ter sido desligado, a próxima coisa que ele sabia é que já estava correndo no meio da estrada, voltando para a cidade.

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— Você mentiu pra mim. — Júlio disse ao encontrar com Rosa, a antiga merendeira da escola em que ele estudou a vida inteira e que tinha apenas 6 anos de diferença.

— Oi pra você também. Como você tá? Eu tô ótima, muito obrigada por perguntar. — Respondeu passando a vassoura na calçada molhada, jogando a água para rua. — E então? O que você quer?

— Você me disse que o Matias morava naquela casa no meio da floresta.

— E ele vive, uai. Ninguém nunca me disse que ele tinha morrido. — Parou de varrer e colocou uma das mãos no quadril.

— Não vive não! Quem vive lá é um louco e gordo!

— Júlio! A parte do louco eu entendo, mas o gordo é preconceito.

— Mas ele tá gordo, Rosa! É só uma observação.

A mulher revirou os olhos e voltou a varrer.

— Eu admito que deveria ter avisado que ele poderia estar um pouco… mal cuidado. Mas não achei que você reagiria assim.

— Mal cuidado? Rosa, ele tá largado as traças! O que raios aconteceu com aquele homem? — Ela suspirou e mais uma vez a barriga do garoto foi invadida com a sensação de que poderia vomitar. Aparentemente,Matias e tudo que o envolvia tinham um poder gigantesco com o senso de nojeira de Júlio

— Foi em 2011. Eu era uma pivetinha de 11, mas eu lembro bem da polêmica que foi. Acho que teve algo haver com alguma traição e bem… ele não aceitou isso muito bem.

— Definitivamente não aceitou. Ele tá com um cheiro horrendo de cachaça.

— Acontece. As pessoas costumam usar a bebida como uma válvula de escape para os problemas que não tem solução imediata. É por isso que eu digo que provavelmente é a cachaça que vai acabar com a humanidade.

— Então quer dizer que se eu te convidar pra ir beber agora pra me ajudar a tirar aquela imagem da cabeça, você não vem? — A sobrancelha dele ficou arqueada e a pergunta retórica era acompanhada de um sorrisinho de canto.

— Tá me estranhando, Júlio? Eu sempre tento achar jeitos de diminuir a população. — Ela largou a vassoura no muro e puxou o portão. — Bora. E só pra deixar claro, só vou com você porque quero me inteirar dessa sua onda aí.

— E eu super acredito que sim, Rosa.

As histórias que o vovô roubou Onde histórias criam vida. Descubra agora