Melissa 🦋

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Eram 18:00h quando Melissa retornou de carro com o marido, depois de horas incansáveis de arrumação na nova casa, um pouco mais longe do bairro em que sempre viveu. O cansaço se apresentou quando ao sair do carro, suas costas fizeram um barulho alto. As poucas dores eram frutos de sua teimosia em ajudar Murilo, que insistira para que a esposa ficasse quieta, recebendo sempre um “seu filho quer se movimentar, é melhor não impedir a mãe dele.” como resposta.

— Deus do céu, eu não me lembrava de que mudanças poderiam ser exaustivas assim. — Melissa reclamou ao caminhar lado a lado ao marido com um belo vestido amarelo. Fazia questão de sempre usar roupas coloridas, já que acreditava na influência das cores nas vidas das pessoas.

— Eu avisei que iria cansar, mas minha esposinha é sempre tão teimosa. — Murilo zombou, colocando o braço fechado de tatuagens nos ombros dela, trazendo-a para mais perto.

— Teimosa nada! Não é minha culpa se meu pai tinha tanta tralha, nós gastamos mais tempo arrumando as coisas dele pra doação do que na mudança.

— Pode até ser verdade, mas não é totalmente verdade. — Riu enquanto apertava a bochecha da mulher. — E teria sido muito mais rápido se o senhor seu filho tivesse ajudado.

É nesse momento que Melissa para de andar, forçando o marido a parar também.

— Aquele moleque…. Ficou na casa só pra não ter que ajudar.

— Também não é assim, docinho. — voltou a rir quando viu o rosto enfurecido dela.

— É assim sim, aquele moleque! — Reclamou tirando o celular da bolsa marrom atravessada no corpo. — É melhor ele ter uma justificativa boa pra não ter aparecido a tarde toda.

Quando ela colocou o telefone no ouvido, um som robótico e repetitivo de vários ‘pips’ logo após uma mensagem pronta foi ouvido.

— Vamos, temos um adolescente pra buscar. — Melissa começou a andar desenfreada, sem se preocupar se o marido a acompanhava.

— Querida, sabe que ele já não é mais um adolescente. — Tentou acalmar a esposa na mesma medida em que se preocupava em não a perder de vista. Melissa sempre conseguiu, por algum motivo, ser mais rápida do que a maioria dos homens que tinham sua idade.

— Ele acha que só porque já não é mais menor de idade, que pode sumir sem dar explicações? Ele tá muito enganado!

É ao som de algumas reclamações e inúmeros murmúrios dela que ambos chegaram em frente a grade branca da casa de infância de Melissa. A mesma casa que, se pudesse falar, contaria todas as histórias sobre choros mal chorados que já teve o desprazer de ouvir.

— Eu acho melhor a gente ir dar uma volta. Ficamos muito tempo lá naquela rua, a gente podia ir lá no salão da dona Rosemeire. — Murilo sugeriu, passando as mãos na cintura da esposa, enquanto ela procurava as chaves. — Comer uma comidinha boa, dançar juntinhos, que tal?

— Agora não, bê. Eu tô preocupada com o Júlio, real. — Embora já soubesse disso, aquela frase só serviu para reassegurar Murilo de que aquela realmente era a mulher da vida dele.

— Tá bom, sem mais brincadeirinhas. — Ele decretou enquanto soltava ela. — Bora logo achar nosso filho.

Melissa parou de procurar as chaves por um momento, e foi incapaz de segurar o sorriso que vem com o pronome. Saber que, mesmo não tendo nenhuma parcela de DNA compartilhado, Murilo ainda via seu garotinho como filho mesmo depois de tantos anos, fazia com que ela se lembrasse que todos os eventos que aconteceram nos últimos vinte anos atrás não foram o fim do mundo.

— Vou fazer cuscuz salgado pra você amanhã. — Ela passou o polegar na bochecha dele. — Só porque eu acho você bem gente boa, mas não se acostuma não, viu?

As histórias que o vovô roubou Onde histórias criam vida. Descubra agora