XXII

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- Ontem, antes do nosso casamento, ele foi me procurar.

- Eu não acredito que ele foi atrás de você.

Levantou-se, irado.

- Se ele se aproximar de você, eu o mato.

- Como eu posso conversar com você se você fica desse jeito?- ela o questionou de forma contundente. - Você se altera com uma bobagem dessas. Como eu posso confiar em você assim? - falou mais calma.

Ele respirou longamente. Então voltou a se sentar. Bateu de leve o punho na mesa.

- Você tem razão. Me desculpe. - ela sorriu. - O que é tão engraçado?

- Você fica ainda mais bonito quando reconhece que está errado. - ela falou com um sorriso.

Ele tentou não sorrir, mas não conseguiu.

- Você está querendo me ludibriar. - falou, divertido.

- Juro que não estou. Acho até que você merece um beijinho. - ele sorriu mais, principalmente porque era a primeira vez que Elis tomava a iniciativa.

Elis se inclinou e deu-lhe um beijo na face.

- Eu posso continuar a falar?

- Pode. - falou, mas notava-se o desagrado.

- Você promete não me interromper?

-Prometo. - ele sentiu vontade de revirar os olhos, mas se conteve.

Elis tocou na mão dele e sorriu.

- Obrigada.

O semblante dele mudou. Ficou mais leve, mesmo ainda preocupado com o que ela falaria. Vicenzo estava completamente rendido a ela.

- Como eu estava dizendo: Lúcio foi até mim ontem. Ele disse que me amava.

Vicenzo levantou as mãos à cabeça, mas nada disse, pois tinha prometido a ela escutar.

- Disse que no dia que ele havia voltado pra Petrópolis, foi o mesmo dia que eu e você nos conhecemos, naquele dia do incêndio no orfanato. Ele ficou ressentido porque eu não fui ao jantar na casa dele, então se embebedou e se deitou com Aimée. Ele estava bêbado e acordou com a minha irmã. E ele, achando que tirou a virgindade dela, disse que teve que se casar.

- Ele é um fraco. Se ele a amasse de verdade não teria se deitado com outra, mesmo sob o efeito do álcool.

- Você não percebe, Vicenzo? Isso foi uma artimanha da Aimée. Ela queria casar com um homem rico e enganou o Lúcio. Por isso tenho pena dele. Ele está condenado a uma vida infeliz porque ela não presta.

- Lúcio não é nenhum menino indefeso, Elis. - ele então desviou o olhar e ficou com o olhar fixo no nada, como se se lembrasse de algo. - Eu nunca gostei de pessoas como ele. Que nascem na riqueza, são esnobes e só pensam em si. O padre Anselmo dizia que isso eram os meus complexos falando. Que uma pessoa não pode ser determinada pelo que tem ou onde nasceu. Acho que ele estava certo. Depois que Aimée casou com ele, eu quis matá-lo. Agora que eu tenho você, posso ser generoso e ter compaixão.

- Obrigada. - ele voltou a encará-la.

- Pelo que? - ela estava sorrindo.

- Por você ser assim. Generoso. Justo. Capaz de ter compaixão. O padre Anselmo sempre me falou tão bem de você, mas eu nunca quis acreditar.

- E por que não? - ele sorriu também.

- Acho que eram os meus complexos falando. - ela o imitou e Vicenzo gargalhou. - Mas quero que saiba que me sinto muito feliz casada com você. Feliz como nunca fui.

Ele se aproximou e deu-lhe um beijo.

- Agora chega de conversa. - disse levantando. - Vou buscar o doce que fiz pra você.

- E você sabe cozinhar?- perguntou, brincalhão.

- Claro que eu sei. Espere pra ver. - ela desapareceu na cozinha.

Ele estava feliz também. Feliz como nunca fora. Logo apareceram Elis e Lourdes. A mais velha com a travessa grande das goiabas em calda e Elis com as taças menores e colheres.

- A menina Elis fez com todo carinho pra você. - disse Lourdes, sorrindo.

- Sou um marido de sorte, então. - disse sorrindo para a esposa.

Elis sentou- se, serviu uma taça e entregou-a ao marido. Enquanto colocava para ele, Vicenzo já provava a iguaria. O gosto não era bom, mas ele não queria magoar a esposa que fizera o doce com tanto carinho. Então bebeu água para tentar dissipar aquele sabor.

- O que você achou?

- Diferente. O sabor é bem peculiar. - tentou disfarçar.

Elis olhou pra ele com o cenho franzido, desconfiada.

- Diferente? - ela tentou sorrir, em vão. - Doce é doce, Vicenzo. - então colocou uma colherada na boca.

O gosto estava péssimo. Era puro sal. Elis cuspiu de volta pra taça.

- Meu Deus! Está um horror. Como pode estar salgado?

- Como assim, menina? - indagou Lourdes.

- Está horrível, Lourdes. Não acredito que coloquei sal ao invés de açúcar. - falou, chorosa.

Lourdes olhou-a sem entender.

- Desculpe, Vicenzo. Juro que nunca errei nessa receita.

- Tudo bem, minha querida. Erros acontecem. O que vale é a sua intenção.

Mas o semblante dela continuava chateado.

- Que tal um beijo para tirar esse gosto da nossa boca?

Ela o repreendeu com o olhar devido a presença de Lourdes, mas ele nem se importou e Lourdes saiu da sala-de-jantar aos risos. Vicenzo a puxou para seu colo e deu-lhe um beijo apaixonado. Ela retribuiu da mesma forma. Ele  nunca se cansaria dos beijos dela. Nunca seria demais. Quando parou de beijá-la, ela lhe deu um sorriso sedutor.

- Você me acha bonito, hein?

Ela ficou ainda mais vermelha.

- Acho. - ela beijou-lhe a face.

- O seu marido bonito não vai voltar ao trabalho mais hoje.

Ela gargalhou.

Ele se levantou com ela nos braços e foi em direção ao quarto deles. Elis sorria, feliz.

Passaram a tarde no quarto. Fizeram amor. Ele leu para ela em italiano, traduzindo, ensinando-a. Conversaram. Ele falou sobre a Itália.

E os dias assim foram passando. Recheados de cumplicidade, de amor. A vida nunca fora tão doce, tão promissora. Mas as vezes, os ventos podem mudar de direção e causar danos irreversíveis. Os ventos da mudança não sopraram de forma suave para Elis e Vicenzo.

Era uma vez... um Selvagem (FINALIZADO)Where stories live. Discover now