Capítulo Sete

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Ainda assentados nos bancos da suntuosa igreja, Ana percebeu a necessidade premente de explicar a David sua recente ausência e abordar o delicado assunto das cartas. Uma inquietação pairava entre eles, pois David aguardava ansiosamente as respostas contidas naquelas mensagens, mas seria ele capaz de lidar com as revelações que as cartas poderiam conter?

Uma semana antes, quando David entregara as cartas com apreensão evidente, Ana prometera manter silêncio absoluto sobre o conteúdo e continuaria a honrar essa promessa.

Naquele mesmo dia Ana abriu a primeira carta e começou a lê-la.

29 de abril de 1865

Querido pedaço de papel creme,

Venho a ti, confiante na tua mudez, desabafar o meu aborrecimento que parece pesar mais que o próprio papel que agora acolhe as palavras da minha angústia. Minha existência, outrora sonhada com a leveza dos amores verdadeiros, tornou-se um fardo insuportável nas mãos de minha própria família.

Meu pai, em sua ânsia desesperada por recuperar a honra e riquezas perdidas, decretou meu destino sem levar em conta os anseios do meu coração. Casar-me com um homem cujo semblante me causa arrepios é a cruel realidade que se desenha diante dos meus olhos. A fisionomia do Duque de Monte Belo, longe de ser afável, é uma sombra assustadora que se projeta sobre minha existência.

O medo, esse maldito companheiro, teima em sussurrar em meus ouvidos que o amor, o doce sonho que embalava minhas noites solitárias, está agora perdido. Minha mãe, com lágrimas nos olhos, justifica esta união como um dever, um sacrifício pelo bem da família. Mas onde está o meu direito de sonhar? Onde reside a minha voz em meio a esse silêncio opressor?

Fui privada da escolha, arrancaram-me a liberdade e me ofereceram correntes adornadas com títulos e nobreza. Casar-me com o Duque de Monte Belo não é o cumprimento de um desejo, mas sim um mergulho forçado na escuridão do desconhecido. A ideia de fugir, de escapar deste destino que me foi imposto, dança como um sonho inalcançável em minha mente.

Não posso expressar livremente o tumulto em meu coração, pois, como mulher, meu papel é ser moldada pelos caprichos da sociedade. Oh, como desejo poder escolher meu próprio caminho! Lamento cada respirar que me afasta da liberdade que nunca soube que poderia ter.

Assinado,
Beatriz Andrade.

Ao término da leitura da comovente carta de Beatriz Andrade, Ana sentiu uma tormenta de emoções aflorar de maneira incontida. A dor impressa nas palavras da jovem ameaçava transbordar para além do papel amarelado, tocando as fibras mais sensíveis do coração de Ana. A imagem daquela jovem aprisionada em um destino não desejado fez com que as lágrimas escorressem silenciosamente por seu rosto, como testemunhas silenciosas da injustiça que permeava as escolhas impostas às mulheres naquela época.

Ana, em um instante, viu-se transportada para a pele de Beatriz, compartilhando a aflição de uma alma aprisionada em correntes de tradição e convenções sociais. A crueldade do mundo que negligenciava o direito das mulheres de sonhar e escolher sua própria rota atingiu Ana como um golpe doloroso.

A reflexão sobre a situação de Beatriz trouxe à tona uma revolta contida, uma indignação diante de um sistema que sacrificava os sentimentos e desejos das mulheres no altar da tradição. A lembrança de que essa não era uma tragédia isolada, mas sim um padrão muitas vezes aceito, fez com que Ana questionasse o próprio tecido moral da sociedade à sua volta.

Em meio às lágrimas e à compaixão, Ana percebeu que sua própria jornada estava intrinsecamente ligada a uma luta por liberdade e autonomia, e prometeu a si mesma que, de alguma forma, contribuiria para que as futuras gerações de mulheres pudessem trilhar caminhos menos marcados pela opressão e mais adornados pela escolha e amor verdadeiro.

Uma Dama Incomum | Os Rodríguez - 4Where stories live. Discover now