Capítulo 4

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   POR QUE ESTAMOS fazendo isso mesmo? — Becky estava tão sem fôlego que mal conseguia falar, mas continuou se movendo. Sabia, por experiência própria, que se parasse, seria duas vezes mais difícil recomeçar.
Ao seu lado, Irin flutuava como se usasse patins, havia uma clara diferença entre fazer treinos regulares e correr pela primeira vez em um mês.

— Porque há outra garota rica querendo que você finja ser sua melhor amiga perdida e madrinha de casamento. Para cumprir com o desejo dos seus clientes, você precisa estar em forma. E gostosa. Ninguém quer uma madrinha de casamento gorda, quer?

Como a amiga conseguia conversar sem demonstrar que esteva correndo durante os últimos vinte minutos?

— Você está sendo gordofóbica — Becky falou, sem fôlego. À sua esquerda, o mar fazia o movimento de vai e vem, o céu estava cinza, com nuvens brancas esparramadas. Era igual a uma camiseta velha que havia manchado quando confundiu o alvejante com o tira-manchas, e agora só a usava quando ia limpar a casa. Ou seja, quase nunca.

— Estou sendo realista. Mas talvez não seja bom ficar gostosa demais, porque as noivas não querem disputar atenção com a madrinha no dia do casamento. É um equilíbrio difícil, não é?

Becky ficou em silêncio. Principalmente porque estava sem fôlego.
Irin a olhou — Você não está muito gostosa agora, com a língua para fora como se fosse um cachorro. Mas no geral, você é, sim. — Ela sorriu — Você pode ser inspiração para noivas ao redor do mundo. Lembre-se das palavras de Kate Moss: nada no mundo é tão bom quanto estar magra.

— Talvez eu deva desenvolver o hábito de cheirar cocaína para ajudar nessa empreitada.
— Todas as suas clientes já devem ter feito isso.

Um vento frio soprou, quase roubando o ar de Becky. Elas estavam em maio, mas as estações não importavam na costa sul do Reino Unido, à beira-mar, todos os dias eram de vendavais. Ela avistou o Walton’s, o café que indicava a metade do caminho que tinham a percorrer. Era o ponto onde elas viravam e voltavam para casa. Mas hoje, com o sol lutando para aparecer e as nuvens ameaçadoras, Becky queria um descanso. Conforme se aproximaram do café de paredes brancas e madeira velha, ela piscou para Irin.

— Vamos parar para um café? — Becky colocou as mãos na cintura — Estou com um músculo repuxando e não dormi direito ontem. Deve ser pela adrenalina acumulada do mês passado. O que acha? Posso voltar devagar?

Irin olhou para ela por um instante antes de assentir.

— Desde que a gente continue a corrida até chegar em casa.
— Juro pela minha vida. — Mas Becky estava com os dedos cruzados.

Elas entraram no café, e Irin foi direto ao banheiro. Becky pegou um espresso com leite vaporizado para cada uma, então se sentou perto da janela com vista para o mar. O lugar cheirava a bacon frito e linguiças, e seu estômago roncou. Mas não podia ceder aos desejos. Mesmo sabendo que era errado, Irin havia dito uma verdade: precisava cuidar da aparência. Não seria menos competente se estivesse fora de forma, mas seus clientes exigiam que se encaixasse em um padrão.
Becky conhecia bem o mercado em que estava inserida.

Irin se sentou do lado oposto, com o cabelo escuro e longo, e olhos castanhos brilhando como sempre. A amiga era aquele tipo de pessoa que vivia feliz. Ela bebeu o café antes de falar.

— Como foi o fim do evento? Nem conversamos direito ontem à noite. Alguma história interessante para contar enquanto eu estava me certificando de que não falte calcinhas no país?

Irin era compradora de lingerie na Marks & Spencer, um trabalho que sempre chamava atenção de todos quando descobriam.
Becky repassou os acontecimentos da semana na cabeça como se fossem um filme. Considerando tudo, até que foi bem. Já havia experimentado coisa bem pior que Emily.

— Foi tudo bem.
— Ninguém te reconheceu?

Balançou a cabeça. Ainda se surpreendia por isso não ter acontecido. Afinal de contas, as pessoas que podiam pagar por seus serviços eram ricas, e essas pessoas costumavam andar juntas. Ela tinha certeza de que já havia encontrado rostos familiares, mas aperfeiçoou a arte de se misturar. Além disso, ninguém ficava procurando por uma madrinha de casamento em série.

— Pelo contrário, fui convidada para mais dois casamentos. — Ela deu de ombros. — A noiva teve um surto enquanto fazia a maquiagem, mas consegui levá-la até o altar. Um pequeno milagre.

— E dizem que o romance está morto.
Becky riu
— Casamentos quase nunca são românticos.
Irin se afastou, olhando para o mar através da janela.

— Mas você está de férias agora, não é? — Ela se virou para Becky — Depois do último cancelamento?

Becky negou, tomando um gole do café
— Não tenho certeza. Há outra cliente para quem preciso ligar, então talvez isso tenha que esperar. Estamos na temporada de casamentos. Pelo menos até setembro, vou trabalhar direto.

Irin fez bico.
— Tenho que começar a reservar horários na sua agenda? Estou com saudades.

— Você sabe como é. Além disso, você tem a Tee.

— Tee? Ela é só minha namorada. Você é a minha melhor amiga.
Becky sorriu para ela

— E ainda vou ser quando setembro chegar. Sua melhor amiga mais gostosa e mais rica, se der sorte. Tenho que dar meu máximo nessa temporada. Já estou com trinta e cinco anos e só tenho mais algumas. As pessoas não querem uma madrinha velha.

— O mundo é horrível.
Becky sorriu.
— Não enquanto ainda sou jovem e bonita. A Emily pode ter sido um horror, mas me rendeu um bom dinheiro. Vamos torcer para que eu consiga mais alguns trabalhos assim durante o verão.

— Pessoas com mais dinheiro do que bom senso?
— São casamentos. Pessoas ficam felizes em gastar dinheiro e esperar que seus problemas desapareçam. E eu sou profissional em solucioná-los. Quem é que pensaria nisso quando estávamos na faculdade?

Irin riu — Eu, não. — Ela se inclinou para frente. — Quanto é que você ganhou nesse último?
— O suficiente para te pagar um jantar mais tarde.
— Excelente.

— E como está o mundo das lingeries? Algum avanço nas últimas semanas? Conseguiu que todo o Reino Unido usasse sutiãs azul-elétrico com calcinhas combinando?

— Ainda não, mas tudo está caminhando conforme o planejado. Eles vão se render, é só uma questão de tempo.

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Antes que você diga simOnde histórias criam vida. Descubra agora