Capítulo 1 - Os Park

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Os patins de patinação artística no gelo são diferentes dos de hóquei no gelo e dos de patinação de velocidade. A principal diferença é a lâmina de aço com toe pick, que são alguns dentes na parte da frente para ajudar o atleta a executar as acrobacias com segurança. Por essa razão os patins dos irmãos Park eram diferentes. Os pais dos jovens nunca reclamaram ao garantir que cada um dos filhos possuísse os próprios pares individuais, apesar de pesar no bolso. Permaneceram por um bom tempo alugando os calçados, na esperança de que o hobby no gelo não passasse de uma fase.

Mas o tempo mostrou que o senhor e a senhora Park estavam redondamente enganados. Seus 3 filhos cresceram nas pistas de gelo, alcançando a vida adulta com seus pares de patins de diferentes tipos. Os pais não conseguiram aproveitar nenhum dos pares que se perdiam ao longo do crescimento das crianças, visto que os de Alice precisavam contar com um cano curto e uma lâmina reta e mais longa que o calçado para garantir a velocidade, sem as travas que os de Jimin precisavam possuir para evitar acidentes. Enquanto que os de Roseanne eram os maiores, com um cano robusto para se sobrepor às caneleiras, as lâminas precisavam ser curvas como as dos exemplares da patinação artística, mas sem o toe pick, visando garantir a rapidez necessária em um jogo de hóquei.

A família Park, apesar dos aparentes traços coreanos, se naturalizavam como australianos, após a imigração do casal de muitos anos atrás. Os herdeiros do casal de advogados não precisaram de nenhuma justificativa para a nacionalidade, porque Alice, a mais velha, já nascera em solo neozelandês quando o par de jovens recém-casados chegaram ao Ocidente para tentar uma vida melhor que a do país de origem. Depois de firmados nos negócios de Melbourne, a família enfim se estabeleceu no território australiano, e lá permaneceram até então. Na segunda gestação, os gêmeos vieram, naturais de Melbourne.

Jimin e Roseanne só não eram completamente confundidos na infância por causa dos cabelos e pelas vestes. Mais tarde, também pelos patins que carregavam.

Mason costumava deixar Alice na pista de gelo pelo menos umas 3 vezes na semana após a escola, desde que a garota mostrou desenvoltura com a patinação durante um inverno nevente que acometeu a cidade. Com o tempo, os gêmeos precisavam ir junto ao rinque onde a irmã mais velha praticava as corridas em círculos que ela tanto gostava.

Sendo 5 anos mais novos que a primogênita, o casal de pequenos teve contato com o gelo e a patinação antes mesmo que se sustentassem com as próprias pernas. Foi extremamente natural que ambos tomassem gosto pelos patins. Embora que por motivos diferentes.

Veja só, Mason sempre foi um homem ligado aos esportes. Era extremamente cômodo deixar Alice com o instrutor na escolinha de patinação enquanto ele podia ficar esperando nos balcões das áreas de alimentação dos ginásios de gelo. E onde há homens, bebidas e um balcão de serviço de bar, existem televisões com transmissão de jogos. Veja bem, em um complexo de patinação no gelo, é evidente que o que mais se consuma nas instalações sejam modalidades ligadas àquilo. Foi assim que nasceu o amor do patriarca pelo hóquei no gelo.

Eventualmente, quando não era possível que Clare estivesse com os caçulas, Mason precisava mantê-los consigo nos rinques até que Alice finalizasse o treino e os 4 pudessem ir para casa. Então se tornou comum que o homem se distraísse com um jogo qualquer de hóquei enquanto os bebês dormiam nos carrinhos.

Vez ou outra algum conhecido puxava conversa e discutiam sobre as possibilidades do jovem Jimin se tornar um jogador como os que o pai tanto gostava de assistir. E, por muitos anos, Mason criou certa expectativa sobre o menino. Estimulava que o pequeno o fizesse companhia assistindo as partidas das Ligas de Hockey no Gelo, enquanto Chaeyoung arriscava os primeiros deslizes nos patins com o incentivo de Alice.

Os gêmeos de fato vingaram nas pistas de gelo. Mas não como era o esperado por todos.

E Mason e Clare descobriram quando um dia foram chamados para uma reunião com a coordenação da escolinha de patinação.

O casal encontrou o trio de pequenos Parks cabisbaixos na diretoria. Alice, com seus quase 11 anos, estava no meio, com os braços envolvendo os irmãos pelos ombros.

- O que houve? – Clare soube que algo estava errado no momento em que não vislumbrou o natural brilho de alegria em seus filhos. Suas crias eram sempre radiantes.

Os três levantaram os rostos, e o casal de pais ofegou em susto e choque. Jimin tinha um olho inchado e Roseanne estava com as narinas dilatadas com 2 enormes tufos que algodão, que impediam um sangramento que obviamente acontecera mais cedo.

- Mas o que diabos fizeram com vocês? – a voz de Mason assumiu um tom grosso, enquanto se abaixava diante da pequena garotinha que agora distorcia o rosto em uma faceta chorosa. – Quem bateu neles, Alice? – o homem direcionou os olhos para a mais velha, que parecia intacta, enquanto acolhia a filha caçula em um abraço protetor.

Ciente da presença da mãe acolhendo Jimin, a criança mais alta fitou o pai com um semblante culpado. – Eu não vi a briga papai, quando cheguei eles já estavam sangrando, eu não consegui defendê-los. – suas palavras evidenciavam o sentimento de impotência.

- Tudo bem, querida. – Clare dispensou um afago nos cabelos castanhos da primeira filha. – Consegue contar quem fez isso, meu amor? – passou a indagar Jimin, então, que apenas negou com a cabeça enquanto alojava o rosto em seu peito.

- Uma garota atacou o Jimin, disse que ele não podia usar o patins das danças porque ele é menino. – era Roseanne quem falava, chorando no pescoço de Mason. – Ela bateu nele e disse que ele não podia revidar porque ele é um menino e ela menina. – os adultos se entreolharam, finalmente compreendendo a situação. – Então eu disse que se era dessa forma, eu sou menina e podia bater nela. – finalmente, a pequena se afastou de seu lugar de aconchego, passando a fitar a mãe. – Aí eu bati naquela chata.

Pela primeira desde que viu os irmãos machucados, Alice soltou uma risada. Roseanne era uma criancinha de olhos amendoados e bochechas salientes, vê-la irritada era como vislumbrar um esquilo raivoso.

- E onde está a garota, Rosie?

A pequena então encarou o pai, confusa, mas foi Jimin quem respondeu. – No hospital.

- O quê? – Clare se assustou.

- Rosie quebrou o dente dela. – o menino completou.

Mason estava boquiaberto, ficando mais surpreso ainda ao ver sua princesinha cruzar os braços e assentir com as sobrancelhas elevadas. – Ela mereceu!

- Roseanne Park! – a mãe repreendeu, chocada.

- Ela me acertou com o patins dela depois! – a garotinha retrucou. – Estamos quites!

Alice parecia estar em um parque de diversões, não imaginava que sua irmãzinha poderia ser tão polêmica. No fundo, sabia que gostara da resposta de Roseanne, teria feito a mesma coisa, ou até pior, se tivesse presenciado a tal menina fazendo bullying com seu irmão. O sorriso da mais velha, no entanto, não durou muito diante do olhar nada feliz da mãe.

Naquele dia, na diretoria, os senhores Park souberam que Jimin estava usando os patins da patinação artística, o que vinha causando irritação nas meninas da pequena turma porque só havia um par da numeração certa para o menino, o que vinha causando pequenos atritos entre a turminha infantil. Daquele dia em diante, cada filho Park obteve o próprio par individual de patins. A surpresa maior não foi nem Jimin declarar abertamente que preferia fazer a dança no gelo, mas sim quando a pequena Roseanne voltou não só com o próprio par diferente de patins. Ela carregava um capacete cor de rosa e um blusão de hóquei.

- Olha papai, os Rangers! – anunciou enquanto sacudia o grosso tecido, mais pesado do que ela podia carregar.

Mason apanhou o corpinho da filha antes mesmo que ela caísse. – Você gostou? – ali foi a primeira vez que os olhos do homem se abriram para o interesse da garota pelo esporte que ele tanto assistia.

Sorridente, com duas bolas de algodão lhe dilatando as narinas, a menina assentiu enérgica. – Posso ter um taco?

- Não estou gostando do rumo dessa conversa... – o comentário de Claire foi um aviso, Mason sabia, mas ignorou.

Naquele dia, ele levou um taco de hóquei infantil para casa.

Amor de RinqueOnde histórias criam vida. Descubra agora