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                                  Aaron

O clima ao meu redor está seco. Sinto a areia voando pelo ar e tocando meu rosto. Estamos a mais de um quilômetro da base rival e caminhamos rapidamente entre os escombros da última explosão.

— Se continuar com essa cara, vai assustar os outros soldados, capitão — Marri diz ao meu lado com um belo sorriso.

— Eles já devem estar acostumados, sargento — digo a ela, abrindo um leve sorriso.

Eu não era de sorrir muito, mas Marri sempre conseguia fazer isso comigo. Por isso, entre outras coisas, decidi me casar com ela.
Essa era a nossa última missão juntos. Depois disso, infelizmente, eu iria para a empresa da família junto com Aiden, e Marri seguiria seu sonho de se tornar chef.

Nunca pensei em abandonar meu pelotão, mas Marri queria uma família. Ela não queria que nossos futuros filhos crescessem sem um pai presente. Então, eu abriria mão de tudo se fosse para tê-la e ter nossos filhos ao meu lado.

Continuamos caminhando em direção à base até que ouço um barulho não muito longe. Faço sinal para o pelotão ficar em alerta e pronto para o ataque. Caminho lentamente em posição de combate, com dois soldados ao meu lado.

Em questão de segundos, um zumbido se faz presente em meus ouvidos, e sinto meu corpo sendo arremessado para longe. Caímos em uma armadilha — uma bomba acabara de explodir.
Tento me mover, mas não consigo mexer meu corpo. Tiros são disparados, e nossos homens tentam revidar.

Tento levantar a cabeça para procurar Marri, mas ela não está em lugar nenhum. Nosso pelotão está praticamente sendo devastado por estar em menor número. Tento me arrastar pelo chão quando vejo Marri correndo em minha direção.

— Aaron, fala comigo, por favor!
— Você consegue me ouvir?

Balanço levemente a cabeça. Ela começa a me puxar para longe da confusão e troca tiros para me proteger. Tento pegar minha arma no coldre, mas a dor é insuportável.

Marri está indo bem. Até que, de repente, ela me solta bruscamente e cai no chão. Olho para sua roupa e vejo uma mancha de sangue se espalhando. Ela toca a ferida no peito e me encara.

— Isso é sua culpa, Aaron — sua voz diz, enquanto tento me levantar, mas não consigo.
— Isso aconteceu porque você é um fraco!

Acordo assustado novamente. As palavras de Marri ecoam em minha mente. Todo dia o mesmo sonho, todo dia a mesma cena.
O psiquiatra diz que isso se chama estresse pós-traumático, que eu ainda não superei a morte de Marri e do meu pelotão.
Além de mim, poucos sobreviveram naquele dia.

Sento-me na cama e sinto o suor escorrendo pela minha testa. Jurei para Adam que não beberia mais, mas isso estava se tornando impossível. O álcool era a única coisa que fazia a voz dela desaparecer da minha cabeça.
Fora isso, só restava Lilly. Sei que ela é apenas uma jovem, mas não consigo tirar os olhos dela.

Quando a vejo dançar, as vozes somem por um breve momento. Não ouço nada, apenas a melodia e seu corpo se movendo conforme a música, seguindo o ritmo. Aquilo era lindo. Ela era linda.

Saio da cama e desço as escadas em direção à cozinha. Abro a geladeira e pego uma garrafa de água. Olho para o relógio: 00h45. A luz do salão de festas ainda está acesa, o que significa que Lilly está ensaiando.

Desde que ela se mudou para cá, tento não manter muito contato. É difícil, mas me saio bem. Bem melhor que meus irmãos, que a atormentam dia e noite.

Abro a porta e sigo para o salão de festas. O som de O Quebra-Nozes flutua pela noite e, então, a vejo no centro, concentrada em seus movimentos delicados. O jeito como seu corpo se movia conforme a música era hipnotizante.

Nunca achei que poderia sentir algo por alguém novamente, muito menos por uma pirralha como ela. Mas venho a observando há bastante tempo. Nunca perdi nenhuma apresentação ou ensaio seu.

Aiden sempre fez questão de garantir sua segurança, temendo que alguém a atacasse por causa do pai dela. Então, sempre havia alguém da minha equipe a seguindo, seja na faculdade, seja em outros lugares.
Mas seus ensaios e apresentações eram meus. Só eu podia vê-la assim, tão vulnerável.

A música para, e vejo Lilly olhando em minha direção. Mas, graças ao vidro anti-reflexo, ela não consegue me ver. Ela caminha novamente até o som, volta ao centro do salão e começa a dançar outra vez.
Fico ali, do lado de fora, apenas observando minha pequena bailarina.

A melodia ecoa pelo salão enquanto Lilly gira com precisão, seus movimentos fluindo de forma tão natural que parecem parte da própria música.
E eu, imóvel na sombra do vidro anti-reflexo, a observo, como faço todas as noites.

Quando vejo Lilly fazer um plié gracioso, um arrepio sobe pela minha espinha. Meu corpo reage antes mesmo que minha mente processe.
Prendo a respiração, como se isso pudesse impedir o inevitável. Ela sabia. Ela sabia que eu a estava observando.

Em menos de um minuto, Lilly abre a porta do salão. Tento sair antes que ela me veja.

— Sei que está aí — ouço sua voz cortando o silêncio.

Encosto-me na parede e fecho os olhos por um instante. Isso não poderia estar acontecendo. Não queria que ela soubesse. Mas agora não havia mais volta.

— Ninguém te disse que é feio bisbilhotar? — Sua voz é baixa, mas carregada de curiosidade.

Respiro fundo e a encaro nos olhos pela primeira vez tão de perto.

— Nunca fui muito educado — retruco, vendo sua expressão suavizar.

— Por que está me bisbilhotando? — Ela pergunta, séria.

Eu não podia dizer a verdade. Não ainda. Como explicar para uma garota de 21 anos que ela era a única coisa que me fazia esquecer minha noiva morta?

— Não tenho que te dar explicações. A casa é minha — digo, no tom arrogante de sempre, tentando afastá-la.

— A casa pode ser sua, mas o corpo é meu. Não quero que você fique me bisbilhotando. Deus sabe o que você faz — ela diz, como se eu fosse um pervertido. Que ousadia.

— Eu não preciso estar no escuro para fazer algo. Aliás, você sabe onde fica meu quarto. Quem sabe um dia eu te mostre do que sou capaz — digo, olhando diretamente para seus olhos.

Vejo suas bochechas ganharem um tom rosado, tornando-a ainda mais angelical. Antes que eu diga algo mais, ela sai pisando duro, me deixando para trás.

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⏰ Last updated: Jul 08 ⏰

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Dança das sombras (Harém reverso)Where stories live. Discover now