Capítulo 3

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Acabei chegando em ponto ao meu trabalho, que é uma das livrarias no centro da cidade, 12 quadras de distância do Malum. Normalmente eu tomo um táxi para ir mais rápido, porque ainda tenho que deixar as meninas em casa. Não confio ainda que andem sozinhas pelas ruas do nosso bairro, considerando que elas só têm oito anos e não é o lugar mais seguro do mundo.

E além disso, gosto de garantir primeiro que minha mãe não está lá em casa. Sei o que ela faz durante a noite, mas não tenho idéia do que ela faz durante o dia.

Seu Reginaldo é o primeiro a me ver quando entro na Livraria Monteiro Lobato. Ele abaixa os óculos e o livro que estava lendo, antes de dizer:

- Pontual hoje, hein?

- Sim, senhor. – digo, colocando minha mochila no balcão e pegando meu uniforme de trabalho. – Consegui sair mais cedo do colégio.

Ele simplesmente passou a mão pelos seus escassos cabelos. Ele tinha uns 58 anos, e estava ficando careca. Mas ele era um homem bom, embora não gostasse nada de atrasos. Se ele me tolerava, era porque sabia que eu odiava impontualidade tanto quanto ele. Eu simplesmente não tinha o luxo de poder ser pontual como eu queria.

Além disso, ele era uma das poucas pessoas desse mundo que realmente gostava de mim.

- Vai se trocar rápido então, pequena. – ele disse, suavemente. – Temos muito trabalho hoje. Recebi lançamentos e novas edições hoje. Talvez queira dar uma olhada, como a pequena leitora que você é.

Ele sempre me chamava de pequena, embora eu tivesse 1, 65 cm de altura. Não era exatamente pequena. Mas eu gostava de quando ele me chamava assim. Por mais que ele fosse exigente e sério, esses pequenos momentos em que ele sorria e conversava comigo sobre todos os livros que já tinha lido eram os melhores. De certa forma, ele era como o avô que nunca tive.

Eu nem sei se meus avós estão vivos ou mortos, na verdade. Nas raras vezes que minha mãe me contou da sua vida, ela disse que fugiu de casa aos 15 anos, por conta dos inúmeros desentendimentos com seus pais. Depois ela nunca mais falou nisso. E nem perguntei para ser sincera, porque muitas vezes detalhes da sua história sempre mudavam e eu imaginava se tudo não era uma grande mentira.

Mas se for verdade a fuga de casa, podia apostar que talvez fosse a época que ela começou a usar drogas. Eu nem sei como foi que não nasci com nenhuma deficiência pra ser honesta. Na sua gravidez das minhas irmãs, o meu ex-padrasto a obrigou a ficar em abstinência. Qualquer um pensaria que era porque ele queria que as filhas nascessem saudáveis, mas acho que na verdade era porque ele aproveitava a desculpa para usar as drogas só para ele.

Enfim, minhas irmãs nasceram lindas, saudáveis e amorosas. O resto pode ir para o inferno mesmo, desde que elas continuem assim.

Seu Reginaldo e eu passamos a tarde avaliando os lançamentos. Bem, ele acomoda as novas edições em suas respectivas prateleiras, enquanto eu leio a sinopse de todos e separo por gênero. Não posso evitar dar uma espiada mais profunda naqueles livros que me interessaram, o que faz seu Reginaldo rir e bater de leve na minha cabeça. Ele me entende, afinal a leitura também é sua paixão.

Uma vez que acomodei todos, eu tento esperar como uma profissional os clientes, mas não consigo evitar (de novo) e acabo abrindo livros quaisquer para ler um capítulo que seja.

Acho que não devia ser vendedora de livros, no final.

- Hum, acho que não posso esperar ser atendido tão cedo.

Levanto o olhar e me deparo com um garoto me encarando. Bem, ele não era um garoto, considerando que era mais alto do que eu. Ele era lindo: olhos azuis, cabelo marrom liso e bagunçado, rosto que Jane Eyre classificaria como "grego, clássico, harmonioso". Mas graças a Deus, pelo sorriso ele parecia ter a personalidade mais parecida com a do Senhor Rochester do que Saint John.

MarinaOnde histórias criam vida. Descubra agora