Capítulo 23

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Eu contei. Contei tudo o que aconteceu no parque: o confronto da milícia com os traficantes, a primeira intervenção da polícia, o ataque a civis que se seguiu. Contei como escapamos da interrogação, como voltamos para casa.

E depois de hesitar, contei a ele sobre Jane.

Daniel não abriu a boca para me interromper durante todo meu discurso, o que ea um pouco estranho. Normalmente, ele era inquieto. Ele apenas me escutou com atenção, movendo em suas mãos uma pequena caixa embrulhada com papel lilás, único sinal de que ele estava ansioso.

- Não foi culpa sua. Nem pense nisso, porque não foi. – foi o que ele disse, uma vez que terminei de contar tudo. – Você não tinha como ter impedido, e já disse que a polícia não é exatamente confiável.

- Mas eu devia ter feito alguma coisa! Pessoas estão morrendo, e eu não posso só pensar em ignorar e fingir que está tudo bem! Eu não aguento mais fazer isso. Está me matando.

- Marina, o que você pode fazer? Você é apenas uma garota contra caras psicopatas. Você não pode fazer nada.

Eu fechei meus olhos por um segundo, pressionando minhas têmporas. Eu sabia que ele estava certo, mas isso não tornava a situação menos difícil. Qual é o propósito de conviver em uma sociedade quando você ignora casos de assassinatos, só porque não ocorrem com você?

- Escute, Jane é uma menina. Óbvio que ela ia ficar assustada com o que presenciou, mas ela não tem a completa noção da situação, Marina. Me escute, por favor. – ele colocou um dedo debaixo do meu queixo e o levantou para que eu o olhasse. – O conflito começou na Favela da Matriz. Eu não sei bem o que aconteceu, mas os milicianos atacaram primeiro. A favela virou um caos, claro. Os traficantes fugiram, achando que não iam ser perseguidos se fossem ao centro da cidade. Resultou que não foi isso o que aconteceu.

Eu agora estava prestando atenção em cada palavra.

- Eu estava com Jonas e mais outros amigos na estrada para São Paulo. Passamos o dia inteiro na capital, e depois voltamos. Com você já sabe, a estrada passa pela zona norte da cidade, e o que tem lá: a entrada para a Matriz. E logo os vimos, pela estrada mesmo, o que estava acontecendo. Marina, isso foi uma hora antes do conflito chegar aos portões do parque de diversões.

- E ninguém fez nada?! – eu disse, sem poder desviar o meu olhar. Ele sabia muito bem que por "ninguém", na verdade eu queria dizer "ele".

- Liguei para a polícia. Para o 911. Uma hora, Marina. Tiveram uma hora, mas não foram para a entrada da Matriz, porque é apenas uma favela. E quando ligamos de novo, para dizer que estavam indo ao centro da cidade, nos mandaram não ligar de novo.

Se eu estava com raiva de todas as autoridades da cidade antes, agora eu estava furiosa. Como puderam ignorar uma calamidade dessas?! Como puderam ignorar um maldito conflito rolando nessa cidade, só porque era da favela?! E mesmo quando estes saíram dela, eles podiam ter evitado todas as mortes. Todas aquelas pessoas, aquelas crianças, mortas pela incompetência e egoísmo daqueles que deveriam protegê-las.

- E o que você fez depois? Chegaram a machucar alguém?

- Demos meia volta e saímos correndo dali. – ele respondeu. – Depois que estivemos fora da vista deles, eu liguei para um ex-policial que... que eu conhecia faz muito tempo. Se a polícia chegou a ir ao local, é porque ele mexeu os pauzinhos.

- Você tem muito conhecido de longa data. – eu disse. 

Depois de todo esse tempo me dizer para ficar longe da polícia, ele de repente tem contato com um deles? Qual é a desse cara?

MarinaWhere stories live. Discover now