Prefácio

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Num livro escrito em 1956, Primo Levi, um sobrevivente dos campos de concentração alemães, relata sua volta para casa. Apesar de ter sobrevivido aos horrores da guerra e do campo de extermínio nazista, foi tão somente no tempo da trégua que ele pôde entender: "guerra é sempre".

É neste espírito, de que a guerra nunca acaba, que gostaria de dizer que Bella Máfia nos traz uma lição valiosa. Ele nos lembra que a paz que deveria existir, garantida pelos Estados, pelas instituições e pelos sujeitos de bem, tudo isso nunca passou de teatro de fantoches. A guerra é sempre, a guerra nunca acaba; se dormimos ou comemos, se lemos um livro, ou alcançamos um diploma, nada disto tem sentido em si se não for usado como arma de batalha. As contingências da vida, seja fumar, ou ouvir música, ou procurar uma chave na bolsa, são apenas preparações para a guerra, são pequenos estados de alerta para esta guerra que nos envolve e nos atravessa, guerra da qual não podemos escapar, e que ninguém pode nos socorrer sem estar igualmente já guerreando.

Salvador Lavezzo foge ao clichê dos vilões que nos conquistam e invertem nossa moral. Não torcemos por ele, seu carisma engana os outros personagens, mas não ao leitor. Seu papel não é o de nos conquistar, mas o de berrar em nossas caras aquilo que já sabemos e que fingimos não saber. Ele nos grita, sem pudor, que o sistema não pode promover qualquer paz social, pois o sistema alimenta a si mesmo, e alimenta-se das pessoas que acreditam nele.

O título -Bella Máfia– nos lembra de que não se trata de um grupelho de bandidos; não são vagabundos maltrapilhos ou ferrados pelo sistema e seduzidos pela "grana fácil". Se é Bela, em sua beleza, é porque trata-se de uma estrutura complexa. Aquilo que está sendo relatado para o leitor é uma organização criminosa em sua mais profunda e bem hierarquizada atividade.  A guerra nunca acaba, e não importa quanto o Estado intervenha, pois ensina-nos Vitto Graziano: o Estado nada mais é senão essa grande máquina de guerra que está contra todos.

A beleza deste livro vem da organização da guerra que ele nos apresenta. E podemos ainda falar de "organização" em dois sentidos. No sentido óbvio e explícito, trata-se de uma organização criminosa; hierarquizada, regulada por normas rígidas, disciplinares e voltada para o enriquecimento ilegal. Mas organização ainda num sentido mais sublime e mais perigoso. Organização no sentido de tudo funcionar como um relógio; as mortes, as ameaças, as palavras, nada está fora do contexto; tudo é necessário lá onde acontece e lá onde aparece.

Este livro é uma máquina de guerra, pontual como a engrenagem do fuzil, bem lubrificado como o tanque e delicado como a pólvora.

Eduardo Pimentel 

Bella Mafia - Dinheiro se lava com SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora