Capítulo 49 - Reais Amigos I/II

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22h50min, 7 de setembro – Condomínio de Salvador Lavezzo

Dirigindo pela área do antigo alojamento, Macedo analisava a região com seus olhos de águia. Após uma década na família, pela primeira vez desconfiava da lealdade de seus homens e, por essa razão, resolveu vasculhar a propriedade com as próprias mãos.

— Roni, Alan, alguém na escuta? — Macedo berrou no rádio.

— Alan na escuta — de repente, alguém o respondeu.

— Onde vocês estão? E por que demoraram tanto pra responder? — perguntou Macedo.

— Sondando o píer, senhor — Alan respondeu.

— Quem mandou vocês praí? — o recruta parecia sério demais e isso o incomodava.

— Ninguém, chefia. A área que o Tupinambá mandou não tinha nada, então a gente quis ajudar — Alan respondeu.

— Mas que bonitinho... — algo martelava a cabeça de Macedo, que, pensando em seus próximos atos, ordenou: — Sai dessa porra e me encontra no antigo alojamento.

— Ok, senhor — Alan desligou.

Próximo à enseada estava frio e o paletó grosso aquecia-o, entretanto, não era o suficiente para superar a aflição. Depois de ser enviado ao mesmo píer onde os recrutas se encontravam, Tupinambá também não lhe dera mais respostas. Contudo, embora evitasse subestimá-los, nem mesmo os dois recrutas seriam capazes de lidar com um pistoleiro tão experiente, ainda mais de sobreaviso. Alguém estava mentindo nessa história.

Alan, embora preguiçoso, era bom garoto. Conhecia-o há mais de cinco anos, sem grandes problemas, exceto em ocasiões em que falava mais do que o necessário. Por isso estava alarmado. Mais estranho ainda era o silêncio de Roni, que, dentre os seguranças, era o mais correto e disposto a mostrar serviço. Por que haviam demorado tanto para respondê-lo? Será que escondiam algo? Macedo sentiu uma pontada no estômago como o presságio de um mau sinal. A aflição somente cessaria ao garantir a segurança de seu melhor amigo. Assim, sobrecarregado, pegou o rádio:

— Gavião? Tá na escuta?

— Positivo, senhor — disse o homem encapuzado que, ostentando seu H&K PSG1 com mira a laser, encontrava-se camuflado no ponto mais alto do condomínio.

— Alguém botou a cara? Estou no alojamento atrás do Roni e o Alan — disse, enquanto olhava pela janela.

— Vi o carro deles parado no acesso à mansão do Dr. Tomasso — mencionou, ao percorrer o alto da torre em busca da melhor posição.

— O que tem? — perguntou Macedo que, olhando entre as construções, não descobriu nada de novo.

— Eles avançaram pelo portão há mais de uma hora, mas como estamos em estado de alerta e estou sozinho, priorizei outras áreas. Só voltei lá agora — Gavião checava as mensagens em seu rádio.

— Porra, Gavião, e você não achou nada de estranho? Puta merda, eu tô fudido com vocês — disse à medida que se recriminava por esconder a verdade. — E o Tupinambá? Ele ficou de passar pelo píer.

— A última vez estava perto da cozinha — respondeu Gavião.

— Ok. Fica de olho em mim. Vou dar uma sondada na merda da casa. Qualquer movimento suspeito senta o dedo — inalando o pó de cimento das construções de alvenaria, Macedo pisou fundo em direção à mansão abandonada.

Concatenando as informações desde que soube o sexo dos possíveis invasores, Macedo não precisou de muito para descobrir a armação por trás da escapada do assessor. Não era surpresa alguma a existência de invasores na comemoração, Salvador os havia alertado sobre a possibilidade de um atentado, porém o ataque de possíveis traidores era algo novo. Afinal, se um membro treinado pela família havia sido aliciado, o que impediria dos demais fazerem o mesmo? O que estava em jogo? E quantos, realmente, estavam jogando contra? Primeiro desconfiou do desaparecimento de Ribeiro, Corisco, Alan e Roni. Depois cogitou o nome de Tupinambá, confirmando as dúvidas de Salvador, embora torcesse para não ser nada além de um engano.

Dos homens que havia matado durante a vida, um número até então desconhecido, caso tivesse que lidar com Tupinambá, estava certo de que seria o pior deles. O homem havia recebido o mesmo treinamento que ele, além de cursos extras na Colômbia e na Angola. Era a máquina de matar da família. Macedo engoliu a seco. Apesar do receio, não poderia se deixar levar, pois as peças também se encaixavam em outra teoria, em especial, o desaparecimento do pistoleiro e dos recrutas. Havia uma distância considerável e bem patrulhada entre o píer e a mansão, sendo praticamente impossível que alguém fizesse tanto estrago sem ser notado. Fato que, por sua vez, confirmava existência de, no mínimo, dois invasores operando em células distintas, como Palacci havia alertado.

Deixando as especulações para outra hora, aproximando-se do portão de acesso à mansão, Macedo estacionou duzentos metros antes da entrada e, deixando as vestes mais pesadas para trás, correu pelos jardins, empunhando a pistola com as duas mãos e esperando pelo momento em que um traidor aparecesse pelo caminho.

O sereno, somado ao tempo frio, atacava sua bronquite. Vestido apenas com a camisa térmica de manga longa, a cada passada mais forte agradecia pelos anos interruptos de academia. Limpando a área, aceitou que pôr-se em risco para defender o amigo não era nada além de justificar a afeição. Salvador, sem dúvida, era sua amizade mais antiga e, antes que pudesse perceber, trinta anos se passaram. Eram apenas crianças.

Lembrou-se do dia em que o conheceu, na época Vicente Allò. A primeira impressão foi péssima. Ambos moravam na vila de Cármino Allò. E, caso a memória não falhasse, tinha oito anos de idade, Vicente havia acabado de sair de um internato em Piedade. Magro e amarelado pela anemia, o moleque dez centímetros maior era mal encarado, puxava da perna esquerda e não tinha dito uma mísera palavra em dez dias. Alguns funcionários mais linguarudos diziam que ele era retardado, ou, na melhor das hipóteses, mudo, um ledo engano, vide as primeiras palavras que ouviu, após ser agredido e roubado pelo novo colega:

— Se chorar, vai apanhar de novo.

O início ruim em poucos meses transformou-se numa grande amizade, reforçada pelo fatídico dia em que, roubando o rifle de caça de Cármino Allò, Vicente salvou a vida de seu avô, Vitto Macedo, ao estourar à cabeça do traidor Saulo Giardini durante uma reunião das famílias.

Um batismo de fogo presenciado pelos Amigos, ao natural e que se espalhou feito mito pelo submundo, elevando a moral do pequeno Allò até o dia de sua morte durante um incêndio no presídio de Água Santa. O renascimento das cinzas, ou a transição de um criminoso juvenil em homem de respeito. Uma manobra arquitetada por Riccardo Treviso, que, dois anos mais tarde, quando os jornais sequer lembravam-se da existência de Vicente Allò, trouxe-o do mundo dos mortos, deixando-o bem na porta de sua casa. Ali, a um passo de distância, foi apresentado a Salvador Lavezzo, que, antes de qualquer palavra, deu-lhe um abraço repleto de desculpas e o chamou para uma nova empreitada que, anos mais tarde, seria conhecida como família Lavezzo.

Pela saúde de Dr. Lavezzo, Salvador, Vicente Allò ou qualquer outro título fictício, não lhe dizia nada, faria tudo o que estivesse ao seu alcance. Qualquer nome que fosse usado jamais mensuraria o respeito que nutria pelo velho amigo, mesmo quando se mostrou frio e oportunista. Ora sacrificando famílias inteiras e empilhando corpos no Alto da Boavista, ora abdicando da mulher amada e amigos pelos negócios. Ser líder era uma tarefa para poucos, não é por menos que a bala é o único doce da guerra. Não seria justo que o abandonasse logo agora.


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Bella Mafia - Dinheiro se lava com SangueWhere stories live. Discover now