Capítulo 56 - O Filho da Máfia

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23h20min, 7 de setembro – Condomínio de Salvador Lavezzo

— Juro renegar a qualquer associação que conheci até hoje para salvaguardar a honra dos meus sábios irmãos — disse Salvador Lavezzo, ajoelhado perante dezenas de outros homens.

— Salvador Lavezzo, o capo locale é o caule que sustenta; os caporegimes, a carapaça que protege de agentes externos; os ramos da camorra são o sangue; os picciotti são os frutos que representam a juventude de honra; e as folhas, distantes e rodeando a grande árvore, representam a carniça apodrecendo ao nossos pés — disse o capo maggiore Riccardo Treviso, cercado pelos capos das demais famílias, lhe estendendo a imagem de São Miguel em chamas. — Arda junto à imagem e esta noite estará renascendo para uma nova vida. Jamais viole a Omertà ou traia seus irmãos, senão queimará como este santo em suas mãos.

O crime organizado sempre precisou envolver estranhos para angariar fundo ou dar o gás necessário para reerguer-se e, numa destas levas, convidado pelo capo maggiore da época, Salvador Lavezzo tornou-se um uomo d'onore.

Por vontade própria filiou-se à organização. Abdicou dos lucros pequenos da prostituição e agências de viagens clandestinas para converter-se no que os Amigos chamam de grande capo. Hoje, jurado de morte por razões das quais jamais poderia reclamar, estava mais para um grande merda.

— Aceito — esquecendo-se da mulher e do filho que tanto amara, respondeu ajoelhado.

***

"Saudade" é uma palavra forte. Lembrou-se de sua família e fechou as mãos com violência, cravando as unhas na carne, cego. Salvador Lavezzo não conseguiu mais pensar. A dor era trucidante. Matava a carne e os sentidos. Prejudicava seu juízo e sua competência. Partia-o ao meio e deixava-o cada vez mais fraco. Dor maldita. Gritante. Dilacerava o peito, em silêncio, roubando-lhe o mais íntimo de seu ser.

Sumiu a gritaria das crianças, assim como as reclamações e as risadas. A toalha molhada poderia repousar sobre a cama, da mesma maneira que os pés sujos. Ninguém o moderava ao falar palavrões, comer de boca aberta ou falar com ela cheia. Seu mundo era apenas ele, milhões de reais e o fardo de uma centena de vidas.

Adeus esposa amorosa; adeus filho amado que, à imagem da mãe, lhe restaurava a fé na humanidade. Lembrou-se de Helena com encanto. Sua cabeça pequena repleta de cachos escuros e os olhos amendoados, quase verdes. Ela sorria alegre, quiçá com inocência. Sentia o mais puro desejo por aquele corpo pequeno repleto de curvas. Queria tê-la em seus braços pela eternidade, mas ela era evangélica e buscava fazer o bem ao próximo, enquanto ele, o diabo, buscava "fazer bem" o próximo. Mundos distintos.

— Tudo vale a pena — recobrando os movimentos, falou sozinho. — Por eles, tudo vale a pena. Não vai sobrar pedra sobre pedra.

Caído entre os destroços das mesas, Salvador enxergava-a entre a massa de vultos desnorteados. Uma bela e doce Helena aproximava-se com seu ar pueril e imaculado. Caminhava sem pressa até desfazer-se em pedaços. Quanto mais tentava respirar, mais seu peito doía. O ar úmido e abafado tornou-se pesado e, de peito contra o chão, abandonou o blazer ensanguentado para trás, no mesmo instante em que estilhaços de madeira explodiram contra seu rosto.

Os sentidos humanos eram extremamente falhos face ao desespero. Cansado, com pouca fé, Salvador arrastou-se até a armação do palco. O sangue limitava a visibilidade e as tiras soltas de seu couro cabeludo, podiam ser sentidas pelas pontas dos dedos já avermelhadas. Do outro lado da estrutura, pôde ver um sujeito gritar por seu nome e indicar sua posição. Sem um rádio comunicador, optou por não confiar na visão que já era péssima e, engatinhando pelas tesouras e andaimes que compunham o gigantesco palco, atingiu a outra ponta da construção, onde se soltou sobre a pequena ribanceira que separava os ambientes.

Bella Mafia - Dinheiro se lava com SangueWhere stories live. Discover now