Tomo II - Sinfonia Escarlate

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Embora nosso modo de operação tenha mudado muito após a globalização, os rituais de iniciação se mantiveram intactos, construindo nossa identidade, estipulando regras e, principalmente, punições. Por outro lado, para os mais céticos, como eu, não passa de outra cerimônia repleta de simbolismo onde um jovem deslumbrado faz o juramento com uma imagem queimando entre os dedos. Sejamos francos, pelo menos uma vez, a máfia não é muito diferente do que vocês já estão acostumados. Ela se apropria da esperança do "ser alguém" e, em troca, pede a única coisa que resta aos excluídos: a vida. Chocante? Só para quem não vive a realidade. Imagine, no mesmo discurso, um garoto favelado, ensinado a ter sangue nos olhos e ódio da polícia... Consegue? Eu sei que a ideia de estar à mercê de um moleque armado assusta, mas ainda prefiro-os aos engravatados que jamais precisarão pegar numa. Esses covardes matam por telefone e, pelo mesmo motivo se cagam de medo de mim. Porque respeito não se compra, se conquista.

Falando em respeito, o nosso apogeu veio com os chefões refugiados da segunda guerra contra a Cosanostra. De repente, imigrantes desconhecidos se tornaram industriais, donos de agências de viagem e restaurantes sem que nenhum de vocês percebesse. Os grandes "mafiosos" que vieram para cá já estão mortos, de velhice, enquanto seus filhos e netos se travestem de empresas atrás de novos mercados. Afinal, pra que trocar tiro, explodir juízes ou se esconder em cavernas, se podemos investir em economia limpa e no mercado mais lucrativo da história, o da cocaína.

Caso estejam duvidando do poder da "Coca", o que na Colômbia nos custa cinco mil dólares o quilo, ao chegar à Europa é vendido na casa dos trinta ou cinquenta mil, dependendo do estoque. Uma margem de lucro estupenda, porém ínfima se comparada aos repassadores que, por carregamento, lucram até setenta dólares por grama na Noruega. Espantados? Imaginem quanto é ganho nas remessas mensais de cinco toneladas. Não é por menos que o Brasil é um dos maiores distribuidores do mundo. Então, de que adianta espernear, chamar exército pra rua e cravar bandeirinhas no alto das favelas se os peixões continuarão lucrando com este negócio? Do alto escalão da Polícia Federal até o soldado da PM, muitos sabem que a guerra contra o tráfico é enxugar gelo, corrupção. E, para confirmar, basta prever o futuro através do passado.

Se lembram da Lei Seca e o império criado por um cafetãozinho de Chicago, depois conhecido como Scarface? Com as drogas não é diferente. A guerra apenas aumenta o poder de quem deveria destruir, entregando o monopólio de um potente mercado àqueles com disposição de mantê-lo. Não é à toa que aeroportos são construídos por baixo dos panos e sentenças vendidas em saldão. Não existe guerra contra as drogas sem guerra ao financiamento do crime, ou sua economia. Contudo, vocês já viram a justiça congelar o dinheiro do tráfico? Em qualquer lugar do mundo, a máfia só existe graças a relação íntima, entre parceria e extorsão, com o Estado que também a julga.

Alguns devem se perguntar o porquê de tanta ganância. Não nego que seja uma pergunta pertinente, mas a resposta é óbvia. Sobrevivência. Sem dinheiro não existe poder, sem poder não existe influência, sem influência não há hegemonia e sem hegemonia surgem as guerras e, consequentemente, mortes. Ninguém gosta de mortes.


Bella Mafia - Dinheiro se lava com SangueWhere stories live. Discover now