Capítulo 39

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"O que quer saber?"

"Tudo que puder me contar"

Alfred não sabia por onde começar. As lembranças da primeira esposa ainda estavam vivas em sua memória.

"Você vai ter que me ajudar, Harry...não sou bom em falar sobre o passado."

"Pode começar do começo? De quando conheceu minha mãe?"

Ele teve vontade de pedir que o filho saísse e que nunca mais o procurasse para que não trouxesse de volta a dor que ele tanto custou em acalmar. Mas pensou em Anne e viu o filho dela ali sentado, com o mesmo olhar que ela tinha. Alfred então começou a falar sobre a primeira vez em que viu a mãe de Harry, pulando corda no pátio em frente à Igreja, numa manhã fria como aquele dia, porém ensolarada.

P.O.V. Alfred

"Ela estava com um vestido claro e o cabelo metade preso e metade solto em uma fita balançava conforme seus movimentos. Era a menina mais linda de toda a cidade." Ele se apaixonou naquele mesmo dia. Descobriu que ela ia a pé para a escola e passou a sair mais cedo de casa para poder acompanhá-la. Também corria para encontra-la na saída e andar com ela até em casa. Levava diariamente pequenos presentes: uma flor, um doce e até mesmo uma joaninha. Ela sorria cada vez, como se tivesse ganhado um diamante. "Foi assim até o último dia..."

"Quando Anne completou dezesseis anos, ficamos noivos." Apesar dos nossos pais acharem muito cedo, sabíamos que seria impossível viver sem o outro. Mesmo assim, tivemos que esperar mais cinco anos para nos casar. Eu não tinha dinheiro o suficiente para manter casa e família. Comecei a trabalhar numa loja de ferramentas e economizei o suficiente para comprar a loja. Quando pude finalmente comprar uma casa para ela, nos casamos. A casa é a mesma onde você morou com seus avós."

"O tempo em que ficamos juntos foi muito mais do que felicidade. Sua mãe tinha uma maneira divertida e alegre, todos que a conheciam ficavam encantados. Eu acordava todos os dias imaginando qual seria a novidade. Às vezes ela acordava dançando pela casa. No dia em que descobriu que estava grávida, pensei que ela fosse voar de tanta alegria."

Harry gostou de ouvir aquilo. Sempre que pensava na mãe, desejava que ela tivesse sido feliz mas como a avó era tão dura, não podia imaginar que ela tivesse tido uma vida boa, melhor que a dele.

"A mãe dela era ruim com ela como era comigo?"

"Não. A sua avó só ficou daquele jeito depois que a filha morreu."

"Que bom. Fico feliz em saber disso"

"O que mais quer saber?"

"Você falou aquele dia que a Irene tinha se passado por uma filha da irmã da minha mãe. Eu nem sabia que existia outra filha."

"Sua mãe tinha uma irmã e um irmão. Sua noiva descobriu no cartório da cidade."

"Como eu nunca soube?'

"Depois que sua mãe morreu, sua avó não quis mais saber de nada, nem mesmo da sua tia."

"Como você soube que ela não era filha da minha tia e sim minha noiva?"

"Vi uma foto no jornal de vocês dois, numa nota sobre o casamento. Liguei os fatos."

Harry escutou tudo com atenção percebendo que ainda que tantos anos tivessem se passado, o pai ainda vivia aqueles momentos como se fizessem parte do presente. Tomou coragem e perguntou:

"Como foi que ela morreu?"

Nesse momento o pai de Harry curvou-se e não controlou mais as lágrimas.

"Por favor, não fique assim...eu não vim aqui para fazer você sofrer."

Foi Tania, que veio consolar o marido, quem contou sobre a hemorragia que Anne sofreu logo depois do parto. "Ela resistiu mais duas horas. Depois foi apagando como uma vela."

Harry teve que abrir a janela para poder respirar como se o ar gelado lá de fora entrasse melhor nos pulmões. Tania saiu um pouco da sala e voltou com um álbum na mão. Alfred protestou "Por favor, leve isso daqui."

Mas a mulher não lhe deu ouvidos: "Venha Harry, sente aqui. Quero te mostrar uma coisa."

Ele sentou e ela entregou o álbum de fotos. Abriu e pode ver várias fotos de uma mulher sorridente com um bebê no colo. "Essa é sua mãe. O bebê é você"

Harry analisou com cuidado cada imagem. A mãe o beijava numa fotografia e ele fechou os olhos tentando sentir aquela sensação de estar perto dela por um momento.

"Você a conheceu?"- quis saber.

"Ela era minha melhor amiga. Fiquei com ela até o final."

Ele ficou observou a esposa do pai, sentindo-se aliviado por conhecer alguém que falasse sobre sua mãe com tranquilidade.

"Sabe se ela sofreu muito? No final?"

"Não Harry. Ela não sofreu porque foi tudo muito rápido. Mas tem uma coisa que precisa saber"

"O que é?"

"Durante o pouco tempo que ela esteve com você, ela foi a mãe mais feliz do mundo"

Em toda a sua vida, Harry nunca tinha escutado uma frase que o fizesse sentir tão bem "Como sabe?"

"Ela falou. Você a fez muito feliz"

"Obrigado por me contar"- ele olhou novamente cada fotografia, agora com um sentimento de alegria - "Acho que vou querer aquele pedaço de torta agora."


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