A Volta

488 30 8
                                    

Woodstock até seria uma cidade legal, bem legal mesmo, mas só se eu ainda fosse aquela garotinha interiorana, se o meu pai não fosse um completo idiota, e o câncer e a maldita Katie não existissem. Eu odeio tudo isso, odeio, odeio todo esse mato ao meu redor, odeio essa estrada cheia de curvas, a música country idiota que meu pai pôs pra tocar, odeio a ridícula da Katie tentando cantar a música sem saber a letra só pra impressionar o meu pai, odeio o sorriso imbecil dos dois ao olhar no retrovisor da caminhonete e ver os malditos caminhões com a nossa mudança, eu sinceramente não sei o que passa na cabeça oca da minha avó pra aceitar isso, onde já se viu? A nova namorada do genro dela morar na fazenda que era o lugar mais importante para a filha mais nova dela, isso é uma completa falta de juízo (ou muita maturidade), desde que comuniquei Margot dessa tragédia, peguei o voo até o aeroporto mais próximo desse fim de mundo e entrei nesse carro, rezo para que o verdadeiro plano da vovó seja colocar essa demônia Katie junto das vacas no curral. Vovó sempre foi uma pessoa super positiva e aberta, apesar da morte do repentina do meu avô em um acidente de carro e ver minha mãe ser levada por uma doença maldita, minha avó sempre foi uma mulher forte, e nunca abaixou a cabeça pra nada, admiro muito isso nela, mas a maior qualidade de minha avó é a justiça, ela sempre é justa com as pessoas, apesar das situações, e isso com certeza vai ser um problema pra mim, já posso ver ela dizendo o quanto o meu pai tem o direito de ser feliz mesmo que não seja com a minha mãe, e mesmo eu não gostando disso, tenho que admitir que não quero que meu pai seja infeliz, pelo contrario, eu só queria que ele aceitasse as coisas como são e me incluísse na felicidade dele. Colocando a minha coroa de rainha do drama de lado (por enquanto), já tentei por várias vezes ao longo dessa viagem interminável fazer uma lista mental dos pontos positivos nessa mudança repentina, e o resultado foi: nada. Absolutamente nada. Não vejo nada como ponto positivo em voltar a morar na fazenda.

-  Quantos malditos quilômetros ainda faltam? - cuspi friamente, meio que sem esperar nenhuma resposta.

- Só curte a música Rosie! - Katie anunciou sem nenhum tom de maldade, mas não foi isso que meu cérebro processou.

- Desde quando essa vagabunda acha que pode me mandar fazer alguma coisa? - falei me dirigindo a meu pai e a ignorando. Imediatamente o rosto agora furioso dele se virou para mim por alguns segundos antes de um suspiro profundo que o fez voltar a atenção para a estrada.

- Se não se lembrar dos bons modos e do respeito que tinha pelos mais velhos nos próximos cinco segundos eu te deixo aqui mesmo. - meu pai falou sério. Recoloquei os fones de ouvido e voltei a olhar para os campos de milho e outras porcarias que beiravam a estrada até o infinito. Pareceram horas, mas o relógio afirmava que só haviam se passado meia hora desde que levei a última bronca de meu pai. O sol já estava se pondo ao oeste. E quando menos esperei, o carro foi desacelerando e os motores foram desligados. Tudo estava exatamente como a quatro anos atrás. A casa grande branca, com colunas de ferro azuis decoradas com espirais em forma de flores, as árvores ficaram maiores com o passar do tempo e beiravam toda a varanda casa de minha avó, que nos esperava sentada em uma cadeira de balanço na enorme varanda decorada com todos os tipos de flores imagináveis. Seus cabelos agora estavam mais claros devido a idade, e provavelmente a falta de uma pintura, seu rosto amoroso agora contava com algumas rugas a mais, e seus olhos verdes iguais aos meus e aos de minha mãe ainda passavam a sensação de aconchego e amor. Meu pai e Katie fizeram a frente e cumprimentaram vovó primeiro. Papai falou com uma animação considerada normal para duas pessoas que já se conheciam há tempos e Katie, idiota como sempre, cumprimentou minha avó como se elas fossem melhores amigas desde a vida passada, sendo que era a primeira vez que elas se viam. Uma coisa é certa, ou Katie gostava mesmo do meu pai, ou o dinheiro dele era mesmo muito valioso pra ela, pois mudar de vida, de cidade, largar tudo em Nova Iorque pra morar numa fazenda com o namorado, sem sombra de dúvida é coisa de gente que não bate bem da cabeça. Desci do carro com a famosa cara de paisagem, mas ansiosa para abraçar minha avó apesar de todas as lembranças que eu queria deixar para trás estarem surgindo, as folhas secas no chão estalavam na sola da minha sapatilha delicada a cada passo meu.

Antes que o Verão Acabe (HIATO)Onde histórias criam vida. Descubra agora