Capítulo 1

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Dias melhores... mal se lembrava de os sentir passar lentamente. Possivelmente, aconteceram há uma... duas... três semanas atrás. Mas existiram, ou existia, quando a refeição chegava e a comida voava pelas grades de ferro. Não havia nada melhor que ver um guarda com os nervos à flor da pele. E aquele fechar de mãos que fazia o sorriso ser arrancado do rosto? Adorava, esperava sempre que a chave fosse colocada na fechadura e que alguém perdesse a paciência. Anda lá... anda lá... não ia, todos sabiam que o maior desejo dela era esse, ter a oportunidade certa para escapar. E já não o podia ter feito?

Malditos desejos por realizar.

Merecia uma boa fuga, a fama não devia de ser enterrada na terra e deixada aos deuses, a réstia da alma. Para se ser o melhor, era preciso deixar marca. Junção das duas coisas, nascia uma lenda.

Caius, a ilha que, segundo o maior mapa de Waylon, ficava no centro do mar, mesmo no meio dos dois grandes continentes rivais. Aquele pedaço de terra sempre foi um ponto de encontro entre reis, feiticeiros, piratas, contrabandistas e, principalmente, assassinos. Porém, o facto de ser muito frequentada piorava a segurança nas ruas. O rei podia parecer cego, mas se existia algo nele, era sabedoria. Como tal, todos os que viessem de Avantya, sem documentos, procurados pelo rei de Garthe ou prisioneiros do famoso Prision Force rumo ao Sul, deviam de ser imediatamente presos, julgados pelo tribunal e reencaminhados para o reino de origem. Então, o que raio ainda estava ali a fazer?

Roda por entre os dedos a palha da cama de madeira. Boa pergunta, o que ainda estava a ali a fazer a maior assassina de Avantya? Deixou de pensar nas respostas, agora resumia-se a um...

Nada!

Estava ali só para encher a cela vazia. Nunca pensou que o rei Mason estivesse com problemas financeiros... porquê, deuses? Porque para escoltar um assassino era preciso um navio cheio de guardas, uma cela anti magia em último caso, e uma carruagem especial quando chegasse a terra. Se havia algo que Caius tinha era dinheiro, navios e guardas. O que não tinha era senso de responsabilidade.

– Comida! – Alguém grita no corredor de pedra.

Um sorriso escapa por entre os lábios. Onze em ponto, lá ia o guarda das refeições servir o jantar aos mais violentos. Não, nem todos o eram. Vá se lá entender o luxo das cadeias. Antes de estar ali, sentada com a vista para a porta e olhar despreocupado, teria de recuar na mente.

Lembrava-se de desembarcar em Caius há três dias. A fama não enganava, sempre que chegava a algum lugar, o caos acompanhava-a. Diria aos deuses que, da mesma maneira que entrava numa taberna mal frequentava em Garthe, entrava em qualquer lado...

~

Curioso, sempre que se anda atrás de algo, raramente se têm. Ou se luta para ter, ou apenas se espera pelo melhor momento. Quando nenhuma das duas acontece, não há nada que explique o acaso. Mais concretamente, a sorte.

Mexe o vinho no copo de barro, continuavam a juntar água e a cobrar como se este estivesse puro. Os bêbedos nem davam conta, sempre estiveram longe da realidade. E mira... a sorte que se sentou no outro lado da taberna. O que falavam?

Vira o rosto para o homem que grita com o rapaz da viola. O coitado engole com esforço a vergonha e tenta tocar outra coisa que não irrite o cliente. Caius... em Garthe, o pálido rapaz com viola na mão, luvas rotas nos dedos e botas compradas para impressionar as amantes, engolia não a saliva, mas sim o que segurava desajeitadamente. E voltava a atuar? Só se tivesse muita coragem, porque de certeza que nunca mais da vida pensaria sobre o delicado assunto. Ali... grita-se e manda-se seguir.

Futilidades da vida...

Bate o copo na mesa. Coloca os braços sobre a madeira lascada e espreita por debaixo do capuz a sorte. Quatro homens com largos chapéus aplumados, penas vindas do Sul. Pig White, só lá é que depenavam as aves raras e decoravam as cabeças. Casaco com o melhor couro de Portuaryos. E o navio aportado no cais? Grande aposta, diria o mestre se ali estivesse. Raramente pescava tubarões de água doce. Não custava nada tentar, vistos que ouviu... algures, enquanto passava pelas barracas de armas, que o capitão Bardares vinha de longe e ia para o extremo infinito no horizonte. Sem novidades, a vida de um pirata resumia-se ao mar, grandes tempestades, roubos e histórias para contar.

Lâmina Negra (Volume 1) - Começo Das TrevasWo Geschichten leben. Entdecke jetzt