Capítulo 5

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O infernal som das correntes invade os ouvidos. O quarto parecia cheio de elos soltos. Um som horrendo formavam quando colidiam entre si. Os olhos abrem-se para a escuridão. Morreu? Não se no seu sangue não estivesse a capacidade de ver quando não existia luz. Vira a cabeça para o lado e repara na pessoa presa. Ellen. Forçava o corpo, puxava o tronco até ao extremo e tentava libertar-se das correntes. Era dali que vinha o som.
Respira fundo. Preso, apostava que estava nas celas vinte, as outras mal eram utilizadas.
Rheynne volta a puxar o tronco, os pulsos esticados para trás ficavam vermelhos de tanto esforço. Mas em vão tinha sucesso. Os pés quase em bicos sustinham um corpo cansado, se continuasse, cairia exausta no chão.
– Ellen.
Puxa-se para trás e depois, avança para a frente e volta a fazer força.
– Ellen…
– O que foi? – Pergunta com os dentes cerrado.
– Pára. – Encara o teto.
– Tenho que sair daqui!
– Desiste, um dia já tentei.
O pé direito escorrega na pedra húmida e o corpo cai no chão. A respiração acelerada ecoa pela cela, dores invadem o corpo dela e o desespero chega ao peito. Presa, a pior parte nem era essa. Sabia que não sairia dali por mais que tentasse.
Coloca a mão sobre o joelho dorido e encosta as costas à parede fria.
O Lorde vira o rosto. Desesperada, aquela mulher engolia o choro.
–  Estás bem?
Limpa as lágrimas que desciam o rosto.
– Estou ótima.
– O que aconteceu? – Passa a mão pela cabeça – Estou confuso.
– Tu e o rei foram envenenados. Só consegui salvar um dos dois.
Então era verdade, não foi um pesadelo. Ergue o tronco e coloca a mão sobre o braço. Doía. Repara no sangue seco na túnica.
– Gaius morreu. Deuses… o que será de Gardennia sem ele? – Murmura.
– A princesa está como substituta do rei que ainda não foi eleito. Já se nota que vai ser ela, só não colocou a coroa na cabeça porque iria parecer mal.. Que absurdo. “Como rainha de Gardennia…” Mal me lembro dessas palavras. – Agarra-se aos joelhos.
Pelo dever régio, Arthur estava ciente que Melody tinha mais direito ao trono que, possivelmente, qualquer bastardo existente. Porém, não conseguia encarar o assunto com grande estômago. O rei morreu, a corte devia investigar. E se não fizessem nada? Até ele falhou. Envenenamento… como, se provou o vinho e não sentiu nada? Como, se passou as narinas e não detetou nada? Morto… Não se lembrava do rosto. Morto… Não conseguia ver os olhos azuis dele novamente… Falhou. Falhou, deuses, castiguem-no pelo erro cometido. Errou.
A respiração acelera, os soluços aparecem. É como se estivesse a dormir por longos anos e, ao acordar, desse conta que o mundo avançou sem esperar por ele.
– Não acredito que isto está a acontecer.
Rheynne só conseguia ver a silhueta, a escuridão privava a visão. Mas, pelo que ouvia, pela respiração ofegante, aquele homem estava pior do que pensava.
– Lamento.
– O que estás aqui a fazer? Presa? – Olha-a.
– Digamos que devia ter salvo o rei. Estou condenada à morte por entrada ilegal no cais de Dember, ofensa e desobediência.
– Devias tê-lo salvo, não a mim! – Berra.
– Escolhi quem sabia que ia sobreviver. Devia ter deixado ambos morrerem, devia ter pago um cavalo para Sirhen ao invés de ter entrado pelos portões de Gardennia! Maldito reino!
– O rei está sempre em primeiro, sempre!
– Gaius já tinha veneno no coração. Tu és feérico, suportas qualquer envenenamento. Ele não tinha salvação.
– E porque não foste embora? Tinhas que falar com a Lâmina Negra?
– Ela não…
– É! Mostrou a Lendy, mostrou a única espada com a lâmina negra…
– Eu sou a única assassina de Avantya. Eu é que tinha a espada, eu é que venho de Garthe, servi a Guilda da Morte durante cento e setenta anos. Eu! – Grita-lhe – Aquela é uma impostora!
Arthur abana a cabeça, cada vez mais baralhado nas ideias que viravam… furacões dentro da mente.
– Não acredito!
Uma enorme tristeza invade o coração de Rheynne. Uma facada. Toda a sua vida, todos aqueles anos, o que fez foi sempre ser distinguida no mundo cruel e cheio de pedregulhos que tapavam o caminho. Demorou décadas para conseguir a fama de assassina, conquistar aquele pequeno troféu em Avantya e ser olhada com respeito. Bastou morrer para… as pessoas deixarem de acreditar. Como podiam olhar para a impostora e dizer que ela era a verdadeira? Em Garthe saberiam distinguir, mas ali, não valia apena tentar.
– Ainda bem. – Murmura.
O Lorde arrasta-se para a parede e encosta a cabeça.
– Eu sei que Lâmina Negra tinha um Ellen no nome. Mas quem me garante que és tu? Alycia enfrentou-me ontem, quase me matou.
– Como queres que te prove se a minha espada foi levada? Presa aqui, não sei como te provar.
Suspira e aconchega as mãos por entre as pernas.
– Até há. Sabes o nome do feérico que quiseste enfrentar da Liga dos Vultos Negros?
Se sabia? Pelos deuses, jamais esqueceria o dia em que enviou uma carta para o norte e esperou resposta. Nessa manhã, estava pendurada de cabeça para baixo numa árvore e, Orlando, o seu mestre, chegou com o braço no ar a abanar algo. A resposta, o sim tão desejado. Nem esperou que um dos assassinos a acompanhasse, fez a mala e partiu para Belo Horizonte.
– Acreditas que Wollun foi um cobarde de merda e mandou duzentos feéricos esperarem-me na floresta? Até hoje espero a desforra.
– Ele não apareceu? – Cruza os braços.
– Não. Mandou o filho. Só me lembro dos olhos verdes, o capuz e o lenço no rosto não revelava muito. “Volta para casa humana, o nosso Alfa não quer uma luta.” Ainda gritei que se tratava de um duelo, mas o estúpido voltou-me as costas e fez sinal para irem. Se o voltar a ver, vou enfiar-lhe a minha espada pela boca!
O queixo quase descai. Sem sombra de dúvidas que se tratava da verdadeira e autêntica Lâmina Negra. Não se lembrava assim tão bem das palavras que o filho??- do líder disse, mas lembrava-se de a ouvir gritar. Se aquela era a verdadeira, então quem era Alycia Barton? Porque dizia ser quem não era? O “ela” … a pessoa que tinha nome, mas ninguém o dizia.
– Como sabes isso, desconhecido? – Rheynne pergunta.
– Só uma pergunta para saber se eras quem dizias ser. – Levanta e caminha para a porta.
– E sou?
– Sim, porque eu me lembro de te ver lá… – Fecha a boca.
O olhar arranca dos lábios um sorriso desconfiado. Ele lembrava-se, sinal de que lá estava.
– Tu és um assassino dos Vultos Negros?
– Não. – Levanta do chão – Nem sei de onde tiraste essa ideia.
– Claro, faz sentido a pergunta. Como chegaste a Gardennia? Quer dizer, um desconhecido…
– Arthur Alsthorn, é o meu nome. – Abana a porta.
O Lorde que os piratas odiavam, o homem que ninguém queria conhecer. Tateia a cadeira que afastou, se conseguisse matá-lo ali mesmo, levava um prémio para casa. O quê? A fama de que matou um assassino dos Vultos Negros, aliás, o mais odiado do mar.
Estica o tronco, segue as pedras…
– O que fazes em Gardennia, Rheynne Ellen? – Arthur vira-se.
Os dedos sentem a madeira, mas deixa de tentar alcançá-la. Que pergunta, o que fazia ali… de certeza que não foi ver a festa em honra a Gardennia, nunca mais se lembrou sequer que os reis a celebravam.
– Estou de passagem. – Vira o rosto – E tu, Arthur Alsthorn?
– Eu trabalho aqui. Como sei que não estás a mando de alguém para assassinar, o meu rei? Chegaste tarde, então mandaram uma substituta.
– Poupa-me… – Recua o tronco – Aquela cópia barata nem enganava a rainha feérica no baile de máscaras.
– Dinity?
– Sim, eu trabalhei para ela caso não saibas.
Levanta as mãos e abana a cabeça, Lâmina Negra esteve em Ashantya? Isso explicava como ela deu conta do odor feérico.
– Aquele veneno não tinha paladar ou cheiro… só alguém que trabalha para os feéricos é que o sabe administrar. – Conclui.
– Chega! Eu desembarquei esta manhã em Dember, andei até aos portões do reino e entrei. Se soubesse que se tratava de uma festa, teria dado meia volta e ido para outro lugar. Não assassinei rei algum. Não este… porque já somo três reis mortos pela minha espada.
– Mas fui envenenado pelo vinho que Melody deu ao pai, que Morgan autorizou…
A assassina puxa a cabeça para a frente, queria ouvir a conclusão do raciocínio.
– Ela matou o próprio pai.
– Lorde, com todo o respeito, mas esse veneno é vendido na fronteira de Oranny, não faz sentido uma princesinha daquelas ter comprado à rainha Moneya. Depois, ela queria salvar o pai, até me prendeu… e a ti, por o teres deixado beber o vinho. Então, alguém o envenenou, mas não ela.
– Não conheces Melody.
– Não, nem quero. Só quero sair daqui, caçar aquela impostora e acertar algumas contas.
Algo que também não fazia sentido, o veneno atuou precisamente quando a suposta falsa assassina, apareceu. E o “ela” sem nome… coloca as mãos atrás da cabeça.
– Quem poderia ter comprado esse veneno?
– Comerciantes de Sirhen. Ia lá arranjar um bem forte, é difícil negociar com Moneya no momento em que um rosto é bem conhecido nas terras das bruxas.
Negociar com uma bruxa Lonthrane era sempre uma missão quase impossível. Depois, aquela assassina andou a caçá-las no sul, assim que Joan ditou a regra de que nenhum imortal, bruxas ou feéricos, deveria sair dos seus reinos, ou seriam mortos. Teve que ganhar a vida e caçar aquelas mulheres de pele branca e lábios negros, foi só uma forma de afirmar a sua fama.
Ali, em Deland, existia dois reinos com bruxas. As Barthelemy, com a rainha Ornya, irmã de Moneya. E as bruxas de cristal, Veigallos, com Morgannya, prima de ambas as rainhas. A única rivalidade era entre as Barthelemy, bruxas sem magia, com aparência humana e aptidões feéricas, como visão e olfato, e as Lonthrane, que tinham magia e distanciavam-se dos feéricos.
Rheynne não gostava de nenhuma delas, eram insuportáveis.
– Sabes identificar um negociador ou o veneno? – Olha-a.
– Claro, até sei do que é feito. Ossos feéricos… por isso que os mortais não suportam.
– Ótimo, vens comigo para Sirhen.
Primeiro pensa um pouco, depois dá uma risada. O Lorde encosta-se à porta e suspira.
– Estou a falar a sério, Ellen.
– Não vou contigo a lado algum.
– Já ias para lá e já.
– Ia. Mudei de ideias. Mesmo que chegue ao veneno e quem o vende, de que serve?
– Encontrarei a culpada.
– Melody?
– Não sei, mas se for, irá pagar a morte do pai e o teatro que fez em frente ao povo.
– Porquê que a culpas? Parece uma florzinha que mal pode apanhar sol.
Parecia, mas Arthur viu o demónio que era aos doze anos. Escondia a verdadeira natureza, fingia ser frágil, a princesa que não queria saber de nada. E não era. Aquela ideia de matar o pai não apareceu do nada, já o tentou matar no ano anterior. Falhou, o coitado do Morgan ficou estendido no chão ao se passar pelo rei.
– Ela não é o que parece ser. Prometi proteger este reino até morrer e morrerei a tentar.
Convincente, conhecia essas promessas que eram feitas com a mão sobre o peito e outra sobre o que mais se amava. Rheynne fugiu a uma no passado e isso ditou a morte. Não existia maior arrependimento que esse, acordar todos os dias e lembrar que podia ter feito algo que não fez.
– Tens algum plano para sair daqui?
– Poucos. E tu?
– A magia está fora de questão.
– Claro, esqueci-me que tens magia. Se estivesse aqui o maldito túnel que dá para a floresta Negra… – Olha para a parede – Era fácil fugir.
– Ias sem mim. Estas correntes só abrem com chave. E o túnel fica na última cela.
A pergunta ecoa na mente, como ela sabia isso?
– Já estiveste aqui antes? – Vira o rosto.
– Como assassina, conheço as plantas de todos os castelos. Isso inclui os de cá.
Devia ter uma grande memória, porque nem Arthur conhecia assim tanto aquele castelo.
– Mesmo assim, para chegar lá é preciso conseguir sair e… – Suspira – É impossível.
No momento em que celas são construídas para raças imortais e com poderes, tornava-se complicado formular um plano. Estica as mãos contra a parede e respira fundo, de Lorde amado a traidor odiado. Se soubesse que ia perder o rei, teria cancelado a maldita festa. Setrevent tinha razão, haveria um dia em que iriam falhar e, quando isso acontecesse, não teriam a ajuda da corte ou de alguém. Aconteceu, o pesadelo chegou. Estava encurralado, não podia decidir o que fazer sem pensar no que não podia fazer.
Rheynne dá conta que o Lorde estava há muito tempo calado. Pensaria num plano? Não. Como militar, devia estar-se a culpar do que aconteceu. Os assassinos não trabalhavam com a culpa, esse sentimento devia ser cortado das veias no dia do juramento. Matar e arrepender… se isso acontecesse, era bom que o assassino nunca mais colocasse os pés na Guilda, a sua função era matar sem pensar se valia apena ou não.
Apoia-se na parede e ergue o corpo dorido.
– Em Cienny, estive presa durante três meses, torturavam-me todos os dias na esperança de saberem quem era e o que queria. Gritava, mas não derramava uma única lágrima. No último dia presa, não tinha voz ou forças para andar e sair de lá. Lembrava-me que… pagaram-me para matar a rainha. Tinha que cumprir a missão.
O Lorde gira ligeiramente a cabeça.
– O que ela fez?
A assassina fixa a escuridão. O que fez? O que uma filha nunca deveria  fazer.
– Matou o próprio pai para chegar ao trono. Leonnes demorava muito a morrer, então usou a ajuda de um soldado para o matar. Quando se tornou rainha, isolou Cienny, o povo opunha-se… os reinos em redor não aceitavam. Em catorze meses, morreram mais de cinco mil pessoas. Tinha que colocar um fim à carnificina
Uma missão simples para uma assassina de cento e noventa e quatro anos. Entrar em Cienny já tinha sido um desafio, planear a queda de uma rainha pronta para tudo, igualava-se ao impossível. Três meses pareceram anos, as celas estavam sempre cheias de pessoas inocentes que cometeram o único crime de não gostarem da sua soberana. Os guardas matavam, desapareciam com os corpos e no dia seguinte, voltavam a encher as masmorras.
Rheynne ainda conseguia ver os olhos deles, os rostos que se juntavam ao pé das grades de ferro e perguntavam para onde ia. Livre? Não, uma missão nunca fica a meio.
– Matei-a. Nunca fui tão amada pelas pessoas, gritaram o meu nome com orgulho e ergueram lenços azuis no ar.
– Ela morreu com uma flecha na boca, não foi? – Arthur pergunta..
– Leyla queria discursar para as pessoas. Todos eram forçados a ouvi-la. E eu, tinha acabado de sair da cela, agarrei no arco, meti a flecha por entre os dentes e subi a torre de alerta que ficava em frente ao castelo.
O vento estava a seu favor nesse dia, é como se os deuses quisessem aquele destino. Meteu a flecha por entre a corda do arco, esticou o braço ao limite e fez mira. Abaixo de si, gritavam os guardas.
A prisioneira fugiu!
Mesmo assim não desviou o olhar, respirou fundo, cerrou os dentes às dores e… quando Leyla abriu a boca para gritar o nome, a flecha entrou. Cento e oitenta e sete metros de distância. O som da rainha cair pela varanda foi a melodia perfeita para a liberdade, o povo virou-se para a torre e no alto viram-na. Não perguntaram, levantaram a mão e gritaram bem alto Lâmina Negra. E nesse dia, ela não foi a assassina odiada, foi a salvadora.
Arthur não sabia o que dizer, nesse ano ajudava o General a enfrentar a doença que tinha abalado Gardennia. Ouviu, por alto, que mais um reino caiu às mãos da assassina. Não deu importância, ninguém gostava dela e não.
–  A Guilda podia ter-te ajudado. – Murmura.
Nega e encosta-se à parede.
– Desde o dia em que aceitam ser assassinos, são avisados de que, aquele que fica para trás, morre sem ajuda de terceiros. Assim evitamos traições, atos heroicos e erros absurdos. Um dia, alguém quis quebrar a regras e acabou debaixo da terra.
– Nós na Liga não fazíamos isso, eramos todos irmãos e, se é preciso ajudar, ajuda-se.
– Por isso que um dia fecharam portas, não foi?
O Lorde baixa o rosto. Nenhum assassino gostava de lembrar que o prestígio acabou. O Alfa morreu, o filho não quis assumir o lugar e os feéricos seguiram rumos diferentes. Foi a melhor decisão? Na altura, não existia outra.
– Arthur!
Vira o rosto ao chamamento.
– Setrevent! – Corre para a porta.
O General mete a chave na fechadura. Ao abrir, o Lorde abraça o colega com força. Pensou que ia ser deixado ali a apodrecer.
A assassina suspira, pelo menos o feérico estava safo. Já ela… teria que pensar em qualquer coisa.
– Diz-me que vou embora.
– Lamento Art, mas Melody não deixa sequer que esteja aqui. O castelo está um caos por completo, Gaius quase é enterrado.
– Como ela ficou regente em tão poucas horas?
– Art, seguem o plano de emergência. Gardennia não pode ficar sem rei. Ela é legítima ao trono, ambos sabemos disso.
Realmente não existia outra maneira de não o ser. Coloca a mão no ombro dele e baixa o rosto, queria ver o rei pela última vez, pedir perdão pelo que aconteceu.
– Anda, vou-te colocar noutra cela…
– Porquê? – Pergunta curioso.
– Queres ficar com essa aí? – Setrevent aponta.
Essa… “Essa aí?” Rheynne caminha lentamente, se não fossem as correntes a privá-la de se mover, aquele General engolia a “Essa aí.”
– É a Lâmina Negra, Setrevent. – Comenta ao aproximar o tronco.
– Tens a certeza? Ela gritou isso na sala do trono, mas ninguém acreditou.
– Acredita em mim. Lembras-te quando te disse que a vi? É ela.
Setrevent mira a mulher de braços cruzados. Estava sem palavras, até porque uma enorme confusão, em conjunto com o sentimento de culpa, invadia a mente.
– E Alycia Barton? – Olha para o lado.
– Pois, há algo que não bate certo.
Andava alguém a passar-se por quem não era. O espião da corte.
– Mesmo assim, é melhor ficares noutra cela.
– Não, Rheynne sabe como encontrar quem vende o veneno que o rei ingeriu. Só precisamos de sair daqui.
Nega, abana a cabeça e recua um pouco. Não podia ceder ao pedido dele, por mais amigos que fossem. Prometeu que nunca libertaria um prisioneiro sem ordem real. Arthur ia ser condenado, por mais contra que estivesse. O Lorde assente e estende a mão ligeiramente, só uma pequena ajuda para sair dali.
– Vou contra o juramento.
– Preferes que morra sem fazer justiça?
Os dedos sentem a chave de ferro, o olhar baixa-se e a respiração ia ao fundo dos pulmões buscar o sim. Olha ligeiramente para os lados, abraça o Lorde com força e nega.
– Faz justiça, empatarei o máximo que conseguir. – Sussurra ao ouvido dele.
Assente e recua o máximo que consegue para o interior da cela. O General faz sinal para os guardas fecharem a cela. Antes da porta fechar, tanto Setrevent como Arthur fixam-se no olhar. Trabalhavam juntos há vinte e quatro anos, tornaram-se os melhores amigos, quase irmãos de sangue. Separarem-se para fazer justiça… a porta fecha e a escuridão invade o vazio. Ambos esperavam não morrer na sua longa missão pela verdade.
– Eu podia ter-lhe partidos os dentes, esmurrado a cabeça dele contra uma parede. Depois, roubava a chave e fugia! – Rheynne quase grita.
– Lâmina Negra, não aprendeste nada com a tua longa lista de cadeias?
Dá de ombros, aprendeu a matar para fugir.
– Devias de saber que eu, como Lorde, consigo qualquer coisa. Inclusive a chave que abre o cadeado e a porta.
Tinha a chave… move-se para a silhueta e estica a mão, apostava que ele levantava o que precisava no ar.
– Só te liberto com uma condição.
Ela não ouvia essa parte, esticava os braços ao máximo para agarrar na preciosa chave.
– Ajudas-me a encontrar os vendedores do veneno?
– Não vou a lugar algum sem a minha espada.
– Eu também não. Mas, só te liberto se me deres a tua palavra.
– Tem-na. Agora dá.
– Falaste por falar. Promete.
Baixa os braços e suspira com violência, não fazia esse tipo de juramento.
– Prometo.
– Estás de braços cruzados. Levanta a mão no ar e promete.
Revira os olhos, feéricos, conseguiam ver no escuro. O som de mover o braço é denunciado pela corrente.
– Juro.
– Por Meathen?
– Não, pela minha mãe. Agora dá-me a chave.
Arthur sorri e pousa-a na mão dela. Esperava que a palavra fosse honrada até ao fim, porque estar a libertar uma assassina como ela, sem garantias de que ia ter ajuda, era o mesmo que libertar o homem mais violento para as ruas, condenava o povo inteiro. Ia confiar, se desse problemas, desaparecia com ela. Será que conseguiria dar conta do recado?

Música de capítulo: Won’t go down easy – epic rock.

Lâmina Negra (Volume 1) - Começo Das TrevasWhere stories live. Discover now