"Então eu tenho que morrer?" O senhor careca de óculos quase caindo da ponta do nariz disse com a voz calma, quase um sussurro, enquanto movia a peça em forma de cavalo no tabuleiro.
"Hummmmm..." Magh rosnou de forma ameaçadora.
"Tenho uma bela esposa. Ainda não vejo razão para partir." Ele continuou apenas olhando para o tabuleiro.
"Já falamos sobre isso... Estamos aqui a umas dez horas... Você está em coma a mais de uma semana..." Magh soltou num tom emburrado enquanto batia com a unha enorme do indicador na borda do tabuleiro. Até que posicionou um dos peões uma casa a frente.
"Mas existe a possibilidade de eu voltar. A continuar minha vida... Se eu ganhar o jogo você me concede viver mais um ano?" Glushakov não mudava o tom de voz, e mantinha a postura ereta, firme. Cada movimento era calmo e decidido.
"O que?! Não! Já passamos por isso a umas três horas. Eu não tenho controle sobre sua vida. Não posso permitir nada! Estou aqui apenas para te ajudar a desapegar!" Magh rosnava e tinha vários tiques com a cabeça enquanto falava irritado.
"Desapegar? Minha família depende de mim..."
"Aaaahhhh... claro... Seu filho mais velho já tem mais de quarenta e é milionário. Sua filha é médica e casou com um milionário, seu caçula é um astro do esporte em ascensão, e está ficando milionário... Aliás, sua esposa que ainda não está nada mal, vai querer um marido inteiro, e se você voltar, e eu digo SE! Vai estar tetraplégico e não vai mais funcionar..." Magh esticou a cabeça em direção ao careca para enfatizar a palavra "funcionar".
"Xeque" O Russo moveu mais uma peça encurralando Magh. "Tecnicamente eu tive uma perna amputada, não tive nenhuma lesão na coluna vertebral, e os médicos deixaram mais do que claro que ainda vou funcionar. Você costuma mentir para induzir as pessoas a se entregarem à morte?"
"Aaahhh... Eu desisto. Eu tenho mais o que fazer."
"Ah sim. Imagino." O careca passou a vista sutilmente na sala onde estavam. Cada móvel e tapete velho claramente abandonados a séculos. "O que você tem para fazer neste casarão cercado de pântano?"
"HUmmm... Você sabe alguma coisa sobre este pântano?" Magh mudou o tom de voz pela primeira vez durante todo o dia, e foi o suficiente para Glushakov perceber a oportunidade.
"Bem... Me parece..."
"Parece o que?" Magh demonstrou todo seu desespero.
"Me parece que você na verdade quer SE ajudar, e não realmente ME ajudar."
Magh deu um tapa jogando o tabuleiro e a mesa que o suportava contra a parede, num movimento ágil segurou o homem pela cabeça e o jogou contra a parede. Logo em seguida voltou a pressionar sua cabeça contra a parede com a mão sobre seu rosto.
"Mammmhmhmh" O homem tentou murmurar abafado pela mão escura e mórbida de Magh.
Mah o soltou por um instante: "DIGA O QUE SABE SOBRE O PANTANO?!!"
"Você já tentou me assustar antes. Lembra? Eu já sei que não posso me machucar aqui." Magh o soltou e andou em círculos de forma estranha, como se mancasse das duas pernas. "Podemos retomar nosso jogo? Eu lembro onde estavam todas as peças..." Glushakov se mantinha calmo e inabalável apesar da recente violência.
"Você não pode viver e não quer morrer, se voltar vai atrapalhar a missão de vida de toda sua família, sua etapa já acabou, mas você não ENTENDE! Então vai ficar preso AQUI, igual a MIM!" Magh falou com sua voz grave e rouca se afastando aos poucos.
"Eu posso voltar para o meu corpo, e tentar. Não preciso ficar aqui." Disse o homem com a voz firme.
"Você não pode voltar se eu não te disser como. E eu não estou exatamente de bom humor para ajudar, estou?"
Magh saiu andando rápido arrastando os trapos escuros que tinha como roupa até desaparecer pelos corredores da casa. O senhor Glushakov observou através da ampla janela de cortinas vermelhas pesadas, o pântano nebuloso lá fora, com inúmeros galhos de arvores ressequidos, como mãos esticadas pedindo ajuda, velados pela noite escura sem estrelas.
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Os Contos de Morrer Magh
Short Story"Chegou o seu momento... Você já não precisa mais trilhar o antigo caminho. Venha... Você precisa morrer."