O Carisma de Dona Sara Boufal

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"Então você não quer morrer. Eu entendo o sentimento. Mas talvez você ainda não abordou o assunto de todas as formas. Você está claramente muito apegado." Senhora Boufal parecia ter mais de oitenta na aparência, mas as palavras vinham doce e afiadas como uma moça de vinte.

"Se existe a possibilidade de voltar e viver mais tempo, Por que não? Que diferença pode fazer? Posso continuar a tal 'próxima etapa' como ele se refere, depois, não?" O senhor careca Glushakov falava no mesmo tom ameno e calmo de sempre, sentado numa grande poltrona de couro, enquanto dividiam um chá.

Magh aparece pelo corredor, andando rápido com seu jeito esquisito, como se fosse cair a qualquer momento: "Ah que lindo... Chá romântico na asilo do pântano!" Grunhiu mal humorado. "Não quero você conversando mais com ela, nem com mais ninguém que apareça. Isso aqui não é um lugar para ficar, é passageiro!!"

"Se é passageiro, por que eu e a amável senhora Boufal estamos aqui todo esse tempo?" Glushakov mal teve tempo de terminar sua indagação e foi erguido pela camisa e arrastado por Magh. "Isso é totalmente desnecessário..." O careca tentava argumentar até que Magh o jogou numa sala de paredes de tijolos fria, e trancou a porta girando um mecanismo de ferro em forma de volante, como uma tranca de submarino, do lado de fora.

Magh voltou à sala e encontrou a Senhora Boufal o olhando com desaprovação. "Ah... Ele vai ficar bem..." Magh tentou se desculpar.

"Mas ele tem razão meu amigo, porque ainda estou aqui, se é passageiro?" A velhinha conseguia mudar a entonação para excessivamente meiga, quando melhor lhe servia, e Magh a olhou com cara de quem já tinha percebido a habilidade.

"Não estou prendendo a senhora aqui, se é isso que está pensando. Quero ajudá-la a morrer. Mas não está fácil." Magh pegou o que sobrou da xicara de chá do careca e tentou aproveitar um último gole.

"Mas você já descobriu o que está me segurando por tanto tempo?" Ela disse com semblante puro de esperança.

Magh puxou um papel e começou a ler: "HUmmm, vejamos: A senhora era participante assídua nos movimentos do seu bairro. Frequentava a igreja Católica, a Quadrangular, Batista e Presbiteriana. Encontro das Rosas de Albuquerque... Que que é isso? Sociedade secreta?... Adepta do Budismo, Xintoísta e frequentava três cultos espiritas. A senhora tem problemas né?!"

"Qualquer oportunidade de ajudar era tudo o que eu queria. Além disso eu não trabalhava mesmo." Ela se defendia como uma criança tentando disfarçar uma mal criação.

"Hum... Sei!" Disse Magh desdenhando desconfiado. "O problema é que deve ter mais de quinhentas senhorinhas com velas acesas, incensos, simpatias, rituais, mandingas... Deve ter uns quarenta santos e uns onze deuses sendo invocados agora para você não morrer. Tem ideia de como isso é difícil?!"

"Mas então? Qual Deles é o verdadeiro Deus?" Perguntou ansiosa.

"Huummm... Então você estava tentando por todos os lados, para aumentar as chances de agradar o Deus certo? Tá de sacanagem comigo?! Você sabia que você corre o risco de ficar presa aqui, até que todas as velas, rituais sejam desmanchados, até que cada pessoa suplicando e pedindo por você pare, ou desista, ou venha a falecer... você pode ficar aqui por décadas!"

"O que posso fazer se sou tão querida?"

Magh se levantou soltando o ar em desistência. "Ahh... Pode andar por ai, procure um quarto para a Senhora. Não que precise dormir nem nada... Pode fazer chá sempre que quiser. Só não tente ajudar o careca senão eu prendo a senhora também. E nunca, nunca vá lá fora. Existem almas perdidas no pântano a séculos, e não são bonzinhos..." Ele saiu andando chacoalhando os braços como se ainda tivesse muito a ser feito. "Bom trabalho Magh! Parece que agora você tem dois hospedes!". Saiu pelo corredor dizendo em tom de reprovação à sim mesmo.

Os Contos de Morrer MaghDonde viven las historias. Descúbrelo ahora