Capítulo VIII

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Quelan:

Quando acordei, a primeira coisa que fiz foi olhar na direção dela e me deparo com a porta fechada.

Parece que alguém já se recuperou o bastante.

Me sento na cama e fico encarando a madeira pintada estrategicamente de vermelho, pensando no que pode ter feito aquela garotinha tão frágil da noite passada, fechá-la.

Ela foi tão humana, tão diferente de todos aqui, que vivem se escondendo atrás de suas habilidades, ela sente tudo com tanta intensidade que é difícil acompanhar, e  estava sofrendo.

Olho para a palma da minha mão, minha linha da vida é mais longa do que eu mereço e, graças à mim, ela e todos  aqui estão condenados a viver trancafiados. Eu tirei tudo dela e ainda fui mais longe, mentindo, afinal, não posso devolver sua família, por mais que Daphine afirme que eu posso reverter as modificações que faço nas memórias dos familiares e até mesmo dos projetos, eu jamais consegui descobrir como fazê-lo, então, acabou, ela jamais existiu para eles. No entanto, não a enganei por egoísmo, preciso de sua ajuda, preciso que convença a todos de que essa instituição é a pior coisa que já aconteceu em suas vidas, e como não posso devolver as memórias que fui obrigado a modificar, ela é a única que pode.

Aquela cambada de encostados não quer se virar contra os desgraçados que os arrancaram dos braços de suas famílias, graças à mim, que fiz com que se esquecessem de tudo e eu não posso lutar contra eles caso decidam defendê-los, Jonas quebraria meus ossos caso eu tentasse invadir sua mente e usar suas lembranças novamente, mas eles precisam pagar. Folger tem que pagar.

Suspiro. Não posso deixar que ela perceba que estou mentindo, vou continuar misturando a mentira à sinceridade, parece que isso a confunde o bastante para que não possa distingui-los.

Me levanto, visto uma camisa e vou direto para a porta de comunicação que, para minha surpresa, novamente está travada. Tenho a leve impressão de que posso não ter mentido muito bem. Saio do quarto e tento abrir sua porta principal. Trancada. Mas o que há de errado com essa garota?

Assim que levanto a mão para bater ouço a porta ser destrancada e ela a abre de uma vez.

- Qual a sua dificuldade em bater? Sai por aí abrindo as portas dos outros de repente? – diz, muito zangada, com uma mão na cintura e apontando o indicador da mão livre para mim, cutucando meu peito.

- Só vim acordar você para o treinamento, sempre começam cedo pela manhã. E não tenho dificuldade em bater, só não gosto de ficar perdendo tempo com isso. – digo sério, mas sem conseguir evitar avaliá-la. Ela parecia ter acabado de tomar um banho, provavelmente não dormiu, haviam bolsas debaixo de seus olhos quase imperceptíveis, com certeza graças à água fria. Seus cabelos ainda estavam molhados e ela vestia uma regata vermelha com um decote em “V” muitíssimo atraente e shorts de poliéster cinza, muito justos, que deixavam suas curvas bem acentuadas. A garota seria de fazer qualquer cara babar. Assim que notou meu olhar, ela cruzou os braços e fez cara feia, mas não sinto nem um pingo de remorso em dizer que aquilo só melhorou a vista do seu decote, o deixando ainda mais avantajado.

- PARE DE ME OLHAR ASSIM! – ela berrou, incomodada e me jogou uma onda de vergonha, à qual não tive como resistir com um olhar tão inquisidor quanto o que ela me lançava, me fazendo cair na real.

Onde estou com a cabeça assediando-a dessa maneira?

- Desculpe. – disse bufando e olhando em seus olhos. – Vai assim mesmo?
Ela olhou para si mesma e depois para mim, que não consegui evitar um olhar malicioso, enquanto me apoiava na soleira da porta. Ela semicerrou os olhos, furiosa, e bateu a porta na minha cara. Ri debochado, enquanto a esperava encostado na parede.

Esta Sou Eu Sem Você: InstintosOnde histórias criam vida. Descubra agora