Capítulo XV (Parte 1)

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Elisabeth:

Exatos dez minutos depois, um guarda bate à minha porta e por mais que eu tenha que manter o semblante furioso, enquanto Quelan me arrasta pelo braço até o estacionamento, estou radiante por dentro.

Céus! Vou ver todos os que amo de novo!

Há um van preta nos esperando dessa vez, e não o carro de polícia enorme no qual fui trazida para cá. Quelan me coloca dentro dele sem um pingo de delicadeza, mas não me importo, não passa de encenação.

Saímos da garagem e percebo que estamos em um centro comercial, onde a InMind não é nada além de mais um edifício empresarial, cercado de lojas e pessoas apressadas a perder de vista. Lembro-me de já ter passado por aqui, sem imaginar o que me esperava no Edifício Império.

Solto o ar, frustrada. Eu nunca poderia mudar nada do que aconteceu, eu não podia nem imaginar que era diferente. Dezessete anos e nunca percebi que podia controlar alguém,  afinal, sempre me senti tão comum. Nesse momento, percebo, que o que mais quero é isso, e não posso ter.

Encaro Quelan, notando seu esforço para não fazer o mesmo, a cena do beijo invade minha cabeça e desvio o olhar, voltando à janela, me sentindo extremamente culpada. Eu retribuí, por um milésimo de segundo, eu o quis. Aquele beijo não estava no plano, não deveria acontecer, deveria ser apenas uma tentativa, mas eu não reagi rápido o bastante quando ele avançou, então aconteceu e eu, por um milésimo de segundo, gostei.

Me sinto uma bela vadia! Thiago morreu há cerda de dois meses, e eu já estou me entregando aos gracejos de outra pessoa, não posso fazer isso! Se não, como provo que o amei tanto quanto dizia quando ele estava aqui? O que ele pensaria de mim se entregasse meu coração a outro tão rápido? Ele dizia que caso terminássemos, deveríamos tentar a felicidade de novo, mas nós não terminamos, ele morreu, foi tirado de mim pelo monstro. Não houveram erros ou escolhas, nada de “não é você, sou eu” ou “me apaixonei por outra pessoa”. Eu jamais vou saber o que aconteceria! Poderíamos ter tido o nosso felizes para sempre e meu corpo me trai, desejando a outro dessa maneira. Me odeio por isso, e por esse ódio, quase estraguei o plano, quase perdi o controle.

Solto o ar, me sentindo sufocada e tentando tirar tais pensamentos da minha mente e focar na graça que eu havia recebido.

No caminho, passamos pela casa de Bia e a vejo na calçada, de mãos dadas com um garoto, fico tão feliz por ela que tenho vontade de pular do carro e abraçá-la, mas não posso, ela não sabe mais quem eu sou, posso sentir isso quando abaixo o vidro, ela ne olha, e não vejo nenhum reconhecimento em sua expressão.

Encosto a cabeça no vidro, infeliz, e fico assim até que o carro para em frente à minha casa, e o que eu vejo drena todo o sangue do meu rosto. Desço do carro com dificuldade, sem conseguir acreditar que meu lar, agora, se resume a cinzas.

Sei que Quelan está ao meu lado, apertando a minha mão, mas não a sinto, não sinto nada além do cheiro de ruína. Ouço quando Quelan diz que segundo as lembranças dos vizinhos, aquilo aconteceu no mesmo dia em que fui levada, por um vazamento de gás. Aquilo não fazia sentido nenhum, tínhamos um sistema de gás inteligente, que fecha o registro automaticamente quando não estamos usando. Ele diz que duas pessoas morreram, papai e vovó, e caio de joelhos na calçada cheia de cinzas e pedregulhos, com a vista embaçada pelas lágrimas.

Mais duas pessoas que amo foram tiradas de mim. Oh, Deus, por quê? Levanto e me arrasto para dentro da casa, passo pelo portão, ou o espaço no muro chamuscado onde ele deveria ficar e o avisto caído à minha direita. Não resta nada do jardim, todas as portas e janelas, assim como as telhas e a maior parte da estrutura, foram reduzidos as cinzas em que piso. Eu paro. Não consigo entrar e olhar para o lugar em que cresci, passei toda a minha vida, fui amada e amei, destruído. Não consigo me machucar ainda mais, imaginando em que parte da casa estavam os corpos carbonizados de vovó e papai.

Esta Sou Eu Sem Você: InstintosOnde histórias criam vida. Descubra agora