Prólogo

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–Eu concordo plenamente com Matteus. Demorou muito para o governo decidir isso, mas enfim foi acordado. Só não entendo por que demorar tanto.

– Como você acha que ele deveria reagir? – Eno me atropela, com aquela nada sutil maneira que só ele tem. – "Ei, vou te dar educação para você saber que estou te roubando, tá?".

Não deixo de conter uma risadinha, assim como o resto da turma. Toda vez nestes debates eu sentia nervosismo bem no fundo do estômago, mesmo que fosse regra para as escolas atiçarem debates sobre tudo, desde que eu era criança. Eram poucos os professores que não curtiam uma boa discussão acerca de certo tema, porém trata-se de algo tão intrínseco na gente que, mesmo se o assunto fosse algo banal como cinema ou música, deveríamos fazer comentários e dar nossa opinião de forma mais profissional possível. Posso ser um tanto inteligente para minha idade, mas acho que meus educadores do primário bem lembram minhas respostas na maioria das polêmicas quando eu era pirralho: "Porque é legal"; "Porque gosto"; "Bom".

– Então por que o Tratado de Cleverness? – a professora indaga pela milésima vez.

– Pressão pública, talvez – responde Eno. Ele é um menino bem esperto, mas na maioria das vezes chega num ponto onde ele mesmo duvida das próprias suposições. Eu havia aprendido na escola que, por mais que não tivesse certeza de alguma afirmação, deveria sustentá-la até o fim e compartilhá-la com esmero. Não quer dizer continuar no erro ou na burrice. Se fosse contraposto e me explicado, eu tinha que ser humilde para aprender. Do contrário, usaria minha tese como se eu estivesse "cem por cento" certo.

– Concordo com Eno – comento. O semblante de excitação da professora com tantas respostas inteligentes é até meio bobo. – Os colégios públicos não tinham estrutura suficiente para o desejado nível de educação, e os gastos do governo para cada estudante eram grandes, então, se o governo não tinha condições de lidar com tal, por que não pagar um cheque de tantos zenos e colocar todos os estudantes em escolas privadas com toda estrutura suficiente para o aprendizado?

O sorriso dela se alarga mais, orgulhosa. Adoro esse sorriso.

PLIM... PLIM... PLIM...

Os plins seguidos são suaves e bem musicais, pausados, mas altos o suficiente para me fazer pular da cadeira. Todo mundo começa a se levantar.

– Quero que pesquisem sobre o Presidente Kussen D'alho para a próxima aula, focando no Tratado de Cleverness e nas oposições dos pensadores em 2096, certo?

– Ok, professora – a maioria murmura.

Ela mostrou no telão o rosto de barba cerrada do Presidente que instituiu o Tratado, depois fez um movimento com a mão para baixo em linha reta, fazendo com que o telão se desligasse.

– As provas finais já são daqui a duas semanas, então finalizaremos com esse assunto.

A minha case é leve por somente conter meu MPXXII e meu EI. Ponho-a em minhas costas e caminho com meu amigo Matteus. Quando começamos a falar sobre a aula é depois de ter saído do corredor – não quero que nenhum outro professor me pegue comentando sobre seu ensino, principalmente perto de Matteus, que sempre encontrava um defeito.

– O problema dela é aquela cara de demente! Como se a gente fosse animal de laboratório! – ele explica, os dentinhos da frente iguais os de um coelho.

– Ah cara, só porque ela não costuma entrar na sua. – Com certeza parecia algum tipo de rixa. A Professora Brizabela nunca aceitava as teorias de Matteus, às vezes ela até balançava a cabeça e emitia um "É, né" que traduzido queria dizer "Já que você não tem capacidade para falar algo mais inteligente que isso...", o que deixava Matteus mais indignado. E quando alguém respondia com a mesma teoria, usando sinônimos, trocando as palavras, ela ficava radiante. Após certo tempo, por experiência própria, confirmei que parecia ser algo pessoal. Ela nunca era receptiva às respostas dele.

Néfi LIVRO UM IrmÃWhere stories live. Discover now