Capítulo 04 - Um Tempo

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Depois daquela discussão meu pai não proibiu mais nada, mas também nunca mais falou com a gente, com a mamãe trocava palavras, vivemos anos e anos assim. Felipe cresceu, sem jogar futebol mais, apenas dedicado a um violão que ele guardava debaixo de sua cama, eu havia crescido o suficiente para ficarmos ainda mais próximos e maduros, mamãe era aquele tipo de mulher que tem uma gana de viver e manter o sorriso no rosto sempre, eu tinha 18 anos e Felipe 21, ele tocava seu violão, compunha algumas coisas e tinha uma mãe ao seu lado, minha mãe era essa pessoa, eu havia entrado na faculdade de música, eu nem sei se gostava disso, mas eu me sentia bem no meio daquele delírio todo, daquela gente toda diferente, apaixonada por algo diferente também, a maioria delas sairia dali sem emprego algum, com muito menos talento que meu irmão, mas aquilo me distraia, minha mãe me apoiava sempre.

Nos domingos almoçávamos nós três, eu, mamãe e Felipe, em um restaurante de frutos marinhos, na beira da praia:

- Eu tenho o maior orgulho desses meus filhos. Vocês ficaram lindos, sabia?

Ela não estava mentindo, éramos altos e fortes, namoraríamos fácil qualquer garota, Felipe tinha um sorriso misterioso, um cabelo jogado, trazia um pouco de rebeldia no seu olhar anárquico, era discreto e inteligente, eu havia crescido bastante, tinha o cabelo curto quase sempre raspado, tinha um senso humor inexplicável e era feliz apesar dos meus traumas infantis.

- Você que é maravilhosa mãe – eu disse sincero.

- Eu espero que nada do que o pai de vocês fez com vocês na infância, os proíbam de ser felizes, os tragam traumas – ela dizia seguro.

Depois de tanto tempo, era a primeira vez que nós três juntos ali tocávamos naquele assunto:

- Ele só fez mal a ele mãe – disse Felipe – era um laço que não ia se cortar nunca, era um laço de sangue, de amor, de sinceridade – ele pegou na minha mão.

- Nada do que ele temia ocorreu, somos felizes e nada traumatizados – eu disse apertando a mão do Felipe.

- Eu vou proteger ele eternamente – ele disse olhando nos meus olhos.

- Isso se chama amor. E não há como contestar o amor, não há – mamãe disse sorridente.

Nós abraçamos e tivemos o melhor domingo das nossas vidas.

Dois dias depois meu pai morreu, e ninguém imagina o quanto isso me doeu, me machucou, ele depois de tanto tentar nos magoar, havia se aposentado, uma cadeira de área havia se transformado em sua melhor amiga, ele ficava o dia todo sentado, ouvindo um rádio de pilha, havia envelhecido cem anos em três anos apenas, ele não ria mais, não falava muito, talvez a morte era a única coisa que ela aguardava, que ele esperava na vida. Fiquei preocupada de ser culpado por aquilo, eu, mamãe e Felipe, estávamos abraçados em volta daquele túmulo logo após o enterro, havia um acerto de contas com ele, que nunca fizemos:

- Quero pedir desculpas por tudo tio, a gente não entende nada do ocorreu, mas não tínhamos como fugir de algo que nem sabíamos o que era – disse Felipe chorando.

Mamãe se afastou dali, eu e Felipe nos abraçamos com uma força surreal, choramos muito e pela primeira vez, entendemos que nos amávamos mesmo, era um amor tão forte que doía, que machucava, podíamos ficar ali a vida inteira abraçados, chorando, isso bastava.

- Eu gosto tanto de você – disse Felipe.

- Eu também – eu chorava.

- Eu vou te proteger pra sempre – ele beijou a minha testa.

Fomos caminhando nós três novamente abraçados, sob nuvens que anunciavam chuva. Estávamos unidos e despedaçados.

Corpos Colados (Romance Gay)Where stories live. Discover now